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Cidade natal inspirou a Macondo mágica de 'Cem Anos de Solidão'

Aracataca, na costa colombiana, virou a capital do realismo fantástico tornado célebre por autor

Repórter da Folha relembra visita do escritor em 2007, quando plebiscito sugeriu mudar nome

SYLVIA COLOMBO DE SÃO PAULO

Nas ruas de chão batido da ensolarada Aracataca, as crianças jogam bola, as mulheres caminham com olhar cansado e os homens vão, resignadamente, ao trabalho.

Na praça principal, o padre conversa com fiéis na frente da igreja, e o comércio está agitado nos mercados, enquanto o prefeito da vez faz campanha para reeleger-se.

Sim, a colombiana Aracataca é como tantas pequenas cidades espalhadas pela América Latina. E o visitante que passa por ali desavisadamente não percebe no local nada de mágico ou sobrenatural.

Mas um menino colombiano que ali cresceu nos anos 1930 a viu de modo diferente. Nas crianças que brincavam, enxergou a si mesmo e a garotos que tocavam com fascínio o gelo e sonhavam com um mundo distante; nas mulheres cansadas, figuras encantadas que podiam sair voando a qualquer momento ou devorar a cal das paredes rasgadas com as próprias unhas.

Nos homens, gerações de personalidades que se repetem ao longo do tempo até se transformarem em pó.

O menino era Gabriel García Márquez, nas mãos de quem Aracataca virou nada menos que Macondo, a cidade imaginária que virou capital do realismo mágico, gênero latino-americano que se popularizou nos anos 1970, dando projeção ao mundo a nomes como o argentino Julio Cortázar (1914-1984), o peruano Manuel Scorza (1928-1983) e uma legião de sucessores.

Foi ali, em Macondo, que se desenvolveu a linha genealógica dos Buendía, protagonistas do romance "Cem Anos de Solidão" (1967).

Em agosto de 2007, 20 anos depois de sua última visita a Aracataca, García Márquez voltou à sua cidade natal, numa festa que comemorava seus 80 anos e os 40 de "Cem Anos de Solidão". Apesar de a estação local estar fora de uso, foi reabilitada para receber um trem temático que trouxe o Nobel para cumprimentar seus conterrâneos.

Visitei Aracataca na ocasião, quando o prefeito realizou um plebiscito para saber se os moradores aceitariam mudar o nome do local para Macondo, uma vez que a cidade recebia muitos visitantes estrangeiros todos os anos, que buscavam conhecê-la por ser onde se originara o famoso livro. A mudança de nome foi rejeitada.

A casa onde Gabo cresceu com a avó e as tias é simples, mas ampla, cheia de quartos, e com um jardim interno modesto. Vizinhos reclamavam que a família de Gabo gastava dinheiro para mantê-la, mas nunca tinha ajudado a construir pontes ou escolas em Aracataca.

Há poucas referências a ele e à sua obra ali. Um pequeno museu reúne artigos de jornal e objetos que pertenceram à sua família. A maior relíquia é um telégrafo, que era usado pelo pai de Gabo quando tinha essa função. Na praça principal há um bar que se chama "Liberal" e faz referências aos Buendía e à cisão da Colômbia entre conservadores e liberais, pano de fundo de "Cem Anos de Solidão".

Gabo foi um típico garoto da costa colombiana. Filho de um romance proibido entre o telegrafista Gabriel Eligio e Luísa Iguarán, moça de distinta família, foi deixado em Aracataca, com os avós, quando tinha apenas dois anos. Com dificuldades financeiras, os pais haviam se mudado para Barranquilla para abrir uma farmácia.

Em sua autobiografia "Viver Para Contar" (2002), Gabo relata que os fundamentos para as histórias fantásticas com as quais povoaria sua obra vieram da convivência com essas fortes e supersticiosas mulheres interioranas.

SEMPRE JORNALISTA

Nos anos 40, Gabo foi enviado para terminar o secundário num rigoroso liceu da conservadora Bogotá. Ali, viu aflorar em si os primeiros sinais de revolta contra o "establishment", que o fariam um obstinado esquerdista.

Foi no fim dos anos 40 que Gabo passou a exercer o jornalismo, primeiro em jornais de Barranquilla e Cartagena, depois para o "El Espectador", de Bogotá. Definiu-se até o fim da vida como jornalista, profissão que considerava a "melhor do mundo".

Além de uma extensa obra jornalística, que vai de críticas de cinema a relatos de crimes, Gabo escreveu dois livros essenciais do gênero --"Relato de um Náufrago" (1955), crônicas baseadas em entrevistas com Luis Alejandro Velasco, jovem marinheiro que sobreviveu a um naufrágio, e "Notícia de um Sequestro" (1996), sobre o cartel de Medellín e o líder do narcotráfico Pablo Escobar.


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