Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Mundo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Revolução dos Cravos foi 'dia mais feliz', diz Mário Soares

Aos 89 anos, líder socialista português recorda levante que fez 40 anos ontem

Relação com a ditadura brasileira era boa, diz ex-premiê, que elogia vitória de moderados no período pós-revolução

GISELE LOBATO COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LISBOA

Aos 89 anos, o líder socialista Mário Soares, ex-premiê e ex-presidente de Portugal, lembra em detalhes do dia em que terminou o seu exílio.

Vivia em Paris quando eclodiu a revolução, mas, no 25 de abril de 1974, estava em Bonn, onde tinha um encontro com o chanceler alemão, Willy Brandt. Pretendia pedir atenção à questão da ditadura em Portugal. O encontro, porém, não precisou ocorrer.

"Fui acordado por uma funcionária da fundação Friederich Ebert, que me disse que estava a passar qualquer coisa em Portugal. É evidente que percebi logo do que é que se tratava. Fomos para a sede da fundação e dissemos: Cancela-se já a entrevista porque vamos para Lisboa!'."

Soares diz que tinha informações de que algo poderia ocorrer da parte dos militares, mas não para aquele dia. Também não sabia de quem partia aquela revolução.

Mesmo com a incerteza, fez as malas em Paris. Sabia que, caso o levante fosse da direita, seus companheiros parariam o trem na Espanha, para abortar a volta para casa.

"Chegamos de madrugada à estação e o que é que vimos? Os estudantes, todos eles com um cravo e aos gritos de viva Portugal!'. Eu ainda não sabia que era essa a imagem da revolução, mas não valia a pena esperar mais nada."

Na primeira cidade após a fronteira, o trem parou de novo. A estação estava cheia de militantes do Partido Socialista "Eles me levaram às costas. Puseram-me em cima de uma mesa, deram-me um megafone e disseram faz um discurso!'. E eu comecei a falar".

Soares discursava quando viu dois homens caminharem em sua direção, um deles fardado. "Pensei: Estou preso outra vez'." Mas o militar bateu continência. Queria só avisar que o trem, meia hora atrasado, precisava partir.

Aquele trem ficou conhecido como "o comboio da liberdade". "Depois da revolução, éramos os primeiros exilados a regressar. Estava uma multidão brutal quando chegamos na estação de Santa Apolônia. Foi um dia indescritível, o dia mais feliz da minha vida."

Um mês depois, Soares assumia o Ministério dos Negócios Estrangeiros do governo provisório. Cabia a ele iniciar negociação com os movimentos de independência africanos e buscar reconhecimento para a nova democracia.

Um dos primeiros a reconhecer o novo regime em Portugal foi o Brasil, em plena ditadura militar. Para Soares, não havia contradição nisso.

"Eu não tenho que me meter na politica brasileira e os brasileiros não têm que se meter na política portuguesa." É nesse tom que narra a primeira conversa que teve com o general Ernesto Geisel, então presidente brasileiro.

"Sei que o sr. não gosta muito de mim, porque julga que sou um homem de esquerda. E sou. Mas tenho o maior respeito por si, e o sr. deve ter o mesmo respeito por mim. Portanto, não vamos falar de política ideológica, vamos falar dos interesses dos nossos países". A partir daí, diz, a relação foi amistosa.

O bom relacionamento não impediu que, anos depois, já premiê, Soares oferecesse um passaporte a Leonel Brizola, o que estremeceu sua relação com o presidente português, Ramalho Eanes. Brizola precisava do documento para trocar o exílio no Uruguai, de onde fora expulso, por Lisboa.

Soares ainda não conhecia Brizola. Ele o descreve como "um tipo muito simpático", que desdenhou a lagosta do almoço de boas-vindas porque, sendo gaúcho, gostava era de carne. Acabou por se tornar seu amigo íntimo.

O 25 de Abril ocorreu em plena Guerra Fria. O mundo ocidental olhava para Portugal com receio de que se tornasse "a Cuba europeia". O país chegou a viver clima de véspera de guerra civil, com comunistas e moderados prontos para pegar em armas.

Segundo Soares, o então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, acreditava que o país era "caso perdido". "Queria que nós desistíssemos para que eles entrassem à bruta contra Portugal, contra os comunistas." A agitação no Portugal pós-revolução acabou em novembro de 1975, sem confronto, quando partidos moderados neutralizaram as forças comunistas.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página