Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Mundo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Clóvis Rossi

Eleição em tempos de cólera

É talvez a primeira vez em que o Brasil vai votar em momentos em que a ira parece dominar as ruas

Acompanhar o noticiário brasileiro nos últimos muitos dias dá a sensação de que o país vive uma situação pré-revolucionária. Para não me alongar, cito apenas o segundo título principal desta Folha na edição de anteontem: "A 35 dias da Copa, protestos atingem 12 grandes cidades".

A coisa chegou a tal ponto que, em Florianópolis, houve "protesto contra os protestos", promovido pelos passageiros de ônibus deixados ao sereno por uma greve de motoristas e cobradores. Se não é anarquia, fica perto.

Sem mencionar a selvageria que vai se alastrando pelo país, de que dão prova o medieval linchamento da suposta bruxa que era apenas dona de casa inocente e o assassinato de uma menina de 13 por duas colegas que, por sua vez, por pouco não foram linchadas.

Cenas de um Brasil primitivo.

Tudo isso ocorre em um ano eleitoral, talvez o primeiro em que o pleito se dará num ambiente colérico.

Na eleição anterior, em 2010, quando José Serra ainda liderava as pesquisas, me atrevi a especular com a hipótese da vitória de Dilma Rousseff, com base no que os ingleses chamam de "feel good factor". Naquele ano, o de maior crescimento desde a ditadura militar, as pessoas sentiam-se bem e, quando há essa sensação, tendem naturalmente a votar no candidato do governo. Votaram.

Agora, o que parece estar na rua é o contrário, o "feel bad factor", a melhor explicação, acho eu, para o fato de pela primeira vez o Datafolha apontar para um segundo turno. De fato, a soma dos votos de todos os rivais de Dilma, incluídos os "nanicos", dá 38%, mais que os 37% que dizem votar na presidente.

Como se sabe, essa é a aritmética que determina o segundo turno.

De todo modo, a ira da rua não está sendo suficiente para derrubar Dilma, por mais que ela venha retrocedendo pesquisa após pesquisa.

Aí, acho eu, a explicação talvez esteja em um texto de Joaquín Villalobos, ex-guerrilheiro salvadorenho e hoje consultor para processos de resolução de conflitos, publicado na quinta-feira por "El País". Falando do conjunto da América Latina, escreveu Villalobos:

"Neste cenário [o latino-americano], há esquerdas sem política econômica e direitas sem oferta social. Uns repartem, mas não produzem; outros produzem, mas não repartem. O primeiro [caso] é insustentável, e o segundo gera conflito porque a desigualdade é essencialmente um problema de estabilidade e segurança".

Vale para a América Latina, vale para o Brasil, com a ressalva de que sou pouco adepto de descrições tão lineares, tão preto-e-branco, o que não capta os matizes que a vida real oferece e que a enriquecem.

De todo modo, a sensação que está produzindo a campanha eleitoral é a de que o governo fracassa na política econômica, enquanto as oposições não têm a devida preocupação com a "oferta social".

Importa pouco se essa sensação corresponde ou não aos fatos. O que importa é que ela vai grudando cada vez mais no cenário eleitoral. Dela decorre a imprevisibilidade sobre o resultado.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página