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Maioria de estudantes chineses vive alheia ao massacre de 1989

Repressão a protestos na Praça da Paz Celestial, que completa 25 anos, ainda é tema tabu

Na Universidade de Pequim, onde tudo começou, referências históricas foram desfeitas pelo governo

MARCELO NINIO DE PEQUIM

Vinte e cinco anos depois do massacre da praça da Paz Celestial, em Pequim, o assunto continua sendo um tabu na China. Na internet, qualquer menção à data, 4 de junho, é rapidamente apagada pela censura.

O aniversário será lembrado em todo o mundo, mas não na China. Na memória coletiva do país, os protestos estudantis de 1989 estão enterrados sob anos de censura e pelo triunfo da narrativa oficial de que enriquecer, afinal, é o que importa.

Na Universidade de Pequim, onde o movimento pró-democracia nasceu, em maio de 1989, a nova geração de estudantes pouco sabe dos protestos. A maioria prefere evitar o assunto.

"Os menos inteligentes não sabem o que aconteceu em 1989. Os mais inteligentes sabem que não podem falar do assunto", resume o sinólogo David Kelly, diretor da consultoria China Policy.

A amnésia coletiva, para alguns, é voluntária, por prudência e medo. Mas, para a maioria, nasce da escassez de informações e do esforço do governo para reescrever a história, diz Kelly.

No centro do campus, estudantes passam apressados por um canteiro arborizado. Poucos sabem que aquele foi o marco zero do movimento.

Em 1989, o local era conhecido como o "triângulo", onde um mural de anúncios abrigou as convocações para os primeiros protestos. Para apagar a lembrança, o governo destruiu o triângulo e o substituiu pelo canteiro.

O estopim do movimento foi a morte do ex-secretário-geral do Partido Comunista Hu Yaobang, que havia sido afastado do cargo porque defendia reformas políticas.

A comoção pela morte de Hu logo se transformou em um movimento pró-democracia, com milhares de estudantes acampados na praça da Paz Celestial (Tiananmen, em mandarim).

Os protestos ganharam volume com o apoio popular e se espalharam para mais de 400 cidades da China. Mas o foco era Pequim. Após sete semanas de impasse, o governo ordenou que o Exército desocupasse a praça.

Os soldados abriram fogo contra manifestantes e a população que os defendia, resultando num massacre. Pelas contas oficiais, houve 241 mortos. O número exato é desconhecido. Estimativas independentes variam de 2.000 a 7.000 mortos.

"Não sei exatamente o que aconteceu em 1989, há muitas versões", diz Li, 29, estudante de física, interrompendo a leitura da biografia do presidente americano Abraham Lincoln (1809-1865).

"É um assunto muito sensível. Por isso, nunca falamos dele", afirma Li.

O silêncio não se limita aos estudantes. Nas últimas duas semanas, a Folha procurou 22 professores da Universidade de Pequim e de outras instituições acadêmicas para comentar o aniversário dos protestos. Nenhum aceitou falar.

Quem desafia o tabu não escapa de punição. Cinco ativistas de direitos humanos estão presos desde 6 de maio por participar de um encontro para marcar o aniversário dos protestos.

Pu Zhiqiang, 49, um dos mais conhecidos advogados de direitos humanos do país, está entre os detidos. Em 1989, ele era um dos estudantes que ocuparam a praça da Paz Celestial para pedir mais liberdades.

Em entrevista ao jornal "South China Morning Post" pouco antes de ser preso, Pu resumiu a lição dada pelo regime em Tiananmen --que ele foi um dos poucos a desprezar: "Não vale a pena ficar no caminho do Partido Comunista. Siga o fluxo".

INDIFERENÇA

Para muitos, porém, não foi tão difícil adotar o contrato social imposto pelo governo: desenvolvimento econômico e estabilidade em troca de subserviência.

Estela, 22, recém-formada em língua portuguesa, critica a "obsessão" da mídia estrangeira pelos protestos de 1989. Seus colegas, garante ela, não se importam com o assunto.

"Talvez o comportamento do governo tenha sido o mais adequado na época. A China conseguiu se desenvolver, e hoje a qualidade de vida é muito mais elevada, especialmente se comparada com 25 anos atrás", diz.

O milagre econômico que resultou das medidas de abertura do governo de fato produziu uma revolução no país, alavancando milhões da pobreza para a sociedade de consumo.

Em 1989, o PIB per capita da China girava em torno de US$ 400. Hoje está em aproximadamente US$ 6 mil.

A repressão e a prosperidade econômica abafaram o instinto de oposição ao regime, além de criar um apagão no conhecimento dos mais jovens sobre a história recente do país.

Muitos estudantes abordados pela Folha na Universidade de Pequim disseram que jamais viram a famosa imagem do manifestante solitário diante de uma fileira de tanques em Pequim, um dos momentos mais marcantes do século 20.

"É uma instalação artística?", pergunta Lin, 20, estudante de eletrônica, ao ver a foto pela primeira vez. "Ouvi vagamente sobre os protestos, mas não sei o suficiente para ter uma opinião".


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