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Julia Sweig
Apenas namoro já está bom
Biden se esforça para ter o afeto de Dilma, mas faz tempo que não há algum avanço diplomático
Li a entrevista de Joe Biden à Folha duas vezes antes do encontro dele com Dilma, uma vez em português e outra em inglês, só para me assegurar de não ter deixado passar algum indício de algo grande, tipo uma aliança de noivado. Não vi nenhum diamante grande, reluzente.
Mas a tenacidade de Biden em seu esforço para reconquistar o afeto de Dilma, pós Snowden/NSA, é francamente mais impressionante. Sua entrevista cobriu os tópicos de praxe --energia, comércio, educação, tecnologia, inovação.
As palavras de ordem dos últimos anos voltaram a figurar na mistura. NSA, privacidade, soberania, pedido de desculpas --as questões incendiárias dos últimos 12 meses parecem estar menos prevalentes. Talvez tenhamos um jantar de Estado após a eleição.
Mas por que está tão difícil ficar animada com o retorno gradual do "pas de deux" de Washington e Brasília? Volto sempre para a referência arquitetônica que meu amigo e colega colunista da Folha Matias Spektor usou certa vez para descrevê-lo. Cinco anos atrás ele observou que "já temos os andaimes, talvez até os fundamentos, mas não o próprio edifício". E é por isso que intermináveis listas de parcerias e diálogos ainda soam ocas.
Nossas burocracias ""até secretários sêniores de gabinetes--chefiam delegações sucessivas a Brasília, São Paulo e Rio, falando dos detalhes de tratados de bitributação, energia, comércio, subsídios, tarifas, transportes, raça, educação, vistos. São os tijolos para uma "parceria estratégica" sólida.
Às vezes também falamos de questões globais --mudanças climáticas, finanças, segurança alimentar-- pisando sobre ovos para tratar dos tópicos difíceis --genocídio, Síria, Ucrânia, Irã. Mas, sendo francos, faz muito tempo que não temos algo que possa ser visto como avanço diplomático.
Não houve nenhum grande negócio com a Boeing. Nada de Conselho de Segurança. O grande ímpeto da política externa brasileira perdeu força, e, a despeito da seriedade das intenções de Biden, o Brasil ainda não tem base representativa importante no resto dos EUA.
Grandes marcas americanas --Budweiser, Burger King-- agora nas mãos de capital brasileiro não transmitem aos americanos nada sobre o Brasil. E o futebol? É uma metáfora gigantesca, mas, pode-se argumentar, tem mais a ver com iconografia e legado que com o presente ou futuro do Brasil.
Gostaria de ver uma rede de lojas em todas as grandes cidades americanas --e por que não em grandes varejistas como Target e Walmart-- oferecendo-nos um misto de culinária, moda, música, arte e design doméstico de todo o Brasil.
Mais além do futebol ou de um voo ocasional num jato da Embraer, isso ajudaria bem mais a criar uma "consciência do Brasil" nos EUA.
E a maioria dos brasileiros não parece pedir que Dilma passe de "namoro" a "casamento" com os EUA. Mesmo que o jantar de Estado, a compra do Boeing e o gesto de apoio no Conselho de Segurança tivessem acontecido nos últimos 12 meses, um casamento entre essas duas grandes potências parece um pouco como algo "passé".