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Análise

Pensamento populista vive "final de um ciclo" no país

FEDERICO FINCHELSTEIN ESPECIAL PARA A FOLHA

Um debate polêmico está sendo travado na Argentina sobre a relação do Estado com o pensamento. A criação recente de uma Secretaria de Pensamento Nacional impõe muitas perguntas sobre o futuro da cultura argentina.

Ela é redutível aos desejos e identificações do poder da vez? Cultura e reflexão na Argentina podem ser apresentadas no singular? As mesmas perguntas podem ser feitas sobre as políticas culturais de Venezuela e Equador.

Dada a profundidade da tradição argentina de abertura ao mundo das ideias e cosmopolitismo, é surpreendente que um governo --ainda mais em "fim de ciclo"-- queira determinar padrões para o modo de pensar que supostamente define o que é o "pensamento" argentino.

Em toda a América Latina, o populismo identifica a cultura nacional com o rechaço a intercâmbios críticos globais e, sobretudo, com a ênfase na particularidade da história local e de seus "heróis". Propõe uma forma tradicionalista de nacionalismo cultural --que na Argentina é parte essencial do peronismo.

Mais além das formas políticas mutantes que assumiu desde a ditadura militar de 1943 em diante, o nacional pensado no singular é um elemento definidor da história ideológica do peronismo.

Essa característica, claro, não é exclusiva do peronismo --é a cultura política do populismo latino-americano. A cultura é entendida como parte de uma forma de viver e entender a política. Esta se caracteriza por lideranças fortes, "míticas" e verticais.

Para o populismo, a cultura só é legítima na medida em que expressa (ou aceita) uma liderança em particular.

O kirchnerismo renovou a tradição peronista que identifica um movimento político com todo o país. E, como seus predecessores, constrói um relato mítico que enfatiza a palavra cambiante do líder como expressão da verdade.

Essa verdade não tem necessariamente muitos "pensamentos" entendidos como reflexões sobre a realidade, mas mais frequentemente postulados que emanam das estratégias do líder e procuram se impor à realidade.

Por exemplo, as ideias de que os números da economia podem ser mudados a seu bel-prazer, de que direitos humanos não se aplicam a indígenas quando protestam contra uma realidade diferente do relato oficial ou de que é possível traçar "estratégias" para o "pensamento nacional".

O que essa tradição peronista e o populismo em geral apresentam como sendo cultura e pensamento nacional na realidade se parece muito com o mito que pede mais fé nos enunciados e menos reflexão sobre seus conteúdos.

A terra, a intangibilidade natural do argentino e o pensamento andam de mãos dadas como expressão da legitimidade do ser nacional diante dos inimigos, intelectuais ou não, que são retratados como "antinacionais".

A diferença de pensamentos não é apreciada. A atividade intelectual é suspeita justamente por questionar o mítico e todos os aspectos do público que têm dimensões de religião política. Mito e religião pedem fé aos crentes.


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