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Descontrole impulsiona ebola na África

Governos adotam medidas radicais, como proibir apertos de mão, mas isolamento de regiões mais afetadas é falho

Reportagem da Folha entra em área restrita de Serra Leoa sem ter temperatura medida, o que seria obrigatório

PATRÍCIA CAMPOS MELLO ENVIADA ESPECIAL A SERRA LEOA

Em maio deste ano, a enfermeira Messie Konneh começou a sentir os sintomas do vírus ebola: febre, dores no corpo, vômitos. Ela havia tratado uma pessoa contaminada que tinha vindo de Kailahun, no interior de Serra Leoa.

Poucos dias depois, Messie morreu. A enfermeira era querida em seu vilarejo, Daru, e muita gente foi ao enterro. Seguindo o ritual tradicional, lavaram o corpo com água quente e sabão, vestiram-na e a embrulharam em panos brancos antes de enterrar (não usam caixões).

Os cadáveres são altamente contagiosos --o vírus ebola sobrevive por dias no corpo.

O assistente de rádio Mohammed Sharif, 40, participou do enterro. Pouco depois, também sentiu os sintomas. Mas resolveu não ir ao hospital. "Ele me ligou e disse que estava com muita febre; ele achava que fosse malária", contou à Folha Sheku Tanga, um dos melhores amigos de Sharif. "Ele disse que não ia para o hospital porque todo mundo que entra lá morre", disse Tanga, radialista em Kenema, o epicentro da epidemia de ebola em Serra Leoa.

O país da África ocidental é um dos mais afetados pelo atual surto, com 348 mortes. O ebola já matou 1.145 pessoas em quatro nações da região --além de Serra Leoa, Libéria, Guiné e Nigéria.

Sharif morreu em casa e contaminou a mulher e o filho de um ano, que também morreram. Seu amigo Tanga não foi ao enterro. Ele nunca mais foi a Daru e não deixa sua mulher e filho saírem de casa.

A maioria das pessoas tem medo de hospitais e mantém os doentes em casa, aumentando a contaminação. O contágio se dá através de fluidos --contato com saliva, sangue, vômito, suor ou objetos que tenham sido tocados.

"O número de casos deve ser bem maior, pois as pessoas estão com medo e não vão para o hospital", disse à Folha Jacob Mufunda, representante da OMS em Serra Leoa.

A maioria dos infectados é de médicos e enfermeiros. Sheik Umar Khan, principal especialista em ebola no país, que tratou mais de cem pacientes e era um herói nacional, morreu da doença em julho. Modupeh Cole, que o substituiu, se contaminou e morreu na semana passada.

"A epidemia na Guiné está relativamente estabilizada, mas em Serra Leoa e na Libéria está totalmente fora de controle", disse Joanne Liu, presidente internacional da ONG Médicos sem Fronteiras, que mantém um hospital de ebola em Kailahun.

ROTINA ALTERADA

O governo leonês decretou estado de emergência e impôs uma série de medidas para deter a epidemia. Todos os bares, restaurantes e cinemas têm de fechar as portas às 19h. As autoridades proibiram o aperto de mão e orientam todos a usarem manga comprida. Muitos agora se saúdam com o cotovelo.

Os okadas, mototáxis bastante populares, só podem circular das 7h às 19h. Dez motoristas de okadas foram contaminados ao transportar pacientes de ebola sem saber.

Um dos principais passatempos do país, que está entre os mais pobres do mundo, era assistir aos jogos do campeonato inglês de futebol nos cinemas, pagando 1.000 leones (cerca de R$ 4). Estão todos fechados.

As cidades de Kenema e Kailahun estão isoladas por um cordão sanitário. Em tese, ninguém sai nem entra: há postos de controle na estrada para medir a temperatura das pessoas, e só segue adiante quem tiver passe emitido pelo Ministério da Saúde.

Mas, na noite de sexta-feira (15), a reportagem da Folha, acompanhada de um motorista leonês, entrou no distrito isolado mesmo sem apresentar todos os passes ou ter sua temperatura medida. Os policiais apenas insinuaram que queriam propina.

No hospital de Kenema, pacientes circulam livremente, entrando em contato com outras pessoas.

"Só Deus pode nos salvar dessa doença. Olha quanta gente aí fora, imagine se alguém estiver contaminado", disse Joseph Koroma, funcionário da Airtel, empresa de telefonia do país, apontando para um mercado de rua.


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