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Palestinos se arriscam para fugir de Gaza

Bloqueio israelense, controle do Hamas e guerras motivam população a emigrar pela rota do mar Mediterrâneo

Território é uma das principais fontes de imigrantes que chegam à Itália, por meio de perigosas travessias

DIOGO BERCITO ENVIADO ESPECIAL A GAZA

Primeiro, um túnel clandestino cavucado por debaixo da fronteira. Mais adiante, um barco apinhado carregado pelo mar Mediterrâneo. A descrição da viagem se parece com a de um pesadelo.

Mas, apesar dos riscos, cada vez mais palestinos têm buscado essa via para fugir da faixa de Gaza, onde não suportam mais o bloqueio israelense, o controle rígido e violento da facção Hamas e as guerras.

A Organização Internacional para a Migração publicou na sexta-feira (10) um relatório registrando que os palestinos fazem parte do grupo de territórios de onde mais se foge pelo Mediterrâneo à Itália, ao lado da Síria, da Eritreia, do Mali e do Gabão.

Em agosto, 2.200 palestinos chegaram ao país por mar. No mês seguinte, foram 2.000. O número inclui palestinos morando na Síria e no Egito. Não necessariamente vinham de Gaza.

O filho de Samir Asfour, 57, arriscou a vida na viagem. Diabético, em um território com falta de medicamentos, ele havia ido ao Cairo em busca de ajuda. Na capital egípcia, foi convencido de que poderia ter uma vida melhor.

"Disseram a ele: Ahmad, vamos à Europa. Vão cuidar de você lá'", conta Asfour à Folha. "Eu disse a ele que seria perigoso, mas ele insistiu. Eu aceitei. Sabia que ele ia morrer, se ficasse em Gaza."

O barco em que Ahmad tentou cruzar o Mediterrâneo, no entanto, não chegou à margem seguinte. Seu naufrágio, ainda sob investigação, deixou cerca de 500 mortos em setembro.

Asfour se emociona ao dizer que o filho já havia sobrevivido às guerras e a uma prisão pelas autoridades israelenses. "Não pensei que ele fosse morrer no mar."

Segundo as informações de Asfour, a viagem entre Gaza e a Itália, passando pelo porto egípcio de Alexandria, custa US$ 3.500 (R$ 8.470).

Para quem não tiver a rara autorização para cruzar a fronteira com o Egito, o trajeto inclui um túnel do Hamas.

CLÃ

O acidente no Mediterrâneo é uma das tragédias recentes da família Bakr, desafeto do Hamas em Gaza.

De acordo com Omar Bakr, 27 membros do clã estavam no barco --somando-se, assim, às quatro crianças da família mortas em julho por um ataque israelense, quando brincavam na praia.

"Ninguém nos diz o que aconteceu", afirma. A família protesta diante de organizações humanitárias e do governo por informações.

Parte dos membros da família Bakr que tentaram a viagem já estava exilada no Egito, após conflitos com o Hamas. Outros haviam se juntado a eles recentemente.

Deixar casa e família é delicado em Gaza, onde a tradição é ligada à terra. "Mas quem fica para trás simpatiza com quem conseguiu sair", diz o sociólogo Hosam Abu Siteh, da Universidade al-Azhar de Gaza. "Muitos querem fazer o mesmo."

Parte deles é impedida não apenas pelos riscos do trajeto, mas também pela pressão do Hamas, para quem a fuga dá sinais do estado de calamidade do território. Líderes religiosos chegaram a dizer que seria pecado migrar para um país de infiéis.

"Os palestinos conseguem aguentar a política israelense de ocupação por um longo tempo", diz Siteh, referindo-se ao bloqueio que impede a entrada de suprimentos.

"Mas o conflito entre as facções palestinas Fatah e Hamas deu fim à esperança dos mais jovens."

ATRITO

A empresária de Gaza Hanan al-Shibi chora ao descrever os planos de abandonar sua terra natal, levando consigo cinco filhos.

"Gosto do lugar, mas não da liderança", afirma. "Todos os dias penso como vai ser acordar fora daqui."

Shibi não esconde o cabelo com o véu islâmico, e se diz cansada do constante atrito com a população local, progressivamente conservadora. Sua filha foi expulsa da escola por não cobrir a cabeça.

"Todos os dias prometo aos meus filhos que vamos sair. Tenho medo de que eles pensem que estou mentindo", diz. "Querem ir à praia. Minha filha quer andar de bicicleta. Eles não podem."


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