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Entrevista Pascal Lamy

'Não vejo boas notícias na economia em 2013'

Chefe da OMC vê riscos na Europa e nos Eua e é cauteloso ao abordar medidas protecionistas do Brasil

RENATA AGOSTINI DE BRASÍLIA

O francês Pascal Lamy, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), prevê tempos difíceis para a economia mundial no ano que vem. "Eu posso ver de onde más notícias podem surgir, mas não consigo ver de onde boas notícias podem aparecer", afirmou à Folha.

Em entrevista por telefone de seu escritório na Suíça, ele disse não acreditar na estimativa do próprio órgão de crescimento de 4,5% no comércio entre os países em 2013.

Lamy comanda há sete anos o órgão, que medeia a relação comercial de 157 nações. Político, é cauteloso ao comentar a liderança alcançada pelo Brasil no ranking dos países que mais abrem investigações sobre dumping.

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Folha - O sr. já afirmou que "protecionismo é como colesterol". Diante da comparação, protecionismo seria então o resultado de muitas medidas restritivas?

Pascal Lamy - As medidas restritivas podem ser protecionistas ou estar dentro das regras da OMC. A realidade é que, com a crise, alguns governos passaram a acreditar que proteger o comércio pode proteger empregos. Sabemos que em geral isso não adianta.

E a razão é muito simples: em média, 40% do que é exportado no mundo é composto por itens importados. Ou seja, inibir a importação significa inibir exportações.

No último relatório da OMC, o sr. afirmou que "a determinação para resistir a políticas voltadas ao mercado doméstico parece ter faltado em alguns países". A quais países se referia?

Quando fazemos nossos relatórios, damos a lista completa de quem adotou medidas restritivas. Não estou no ramo de apontar nomes ou culpados.

O Brasil surgiu como o país que mais abriu investigações antidumping entre os membros da OMC. A ascensão brasileira no ranking preocupa?

Iniciar investigação antidumping é potencialmente restritivo ao comércio? Sim. Mas pode perfeitamente estar dentro dos acordos da OMC. Uma coisa é iniciar uma investigação, que é o que monitoramos; outra são barreiras à entrada do produto.

Então é preciso esperar para ver o que acontece?

Exatamente. Embora saibamos que iniciar uma investigação já causa um impacto restritivo no comércio. Se vendo meus produtos a esse país e vejo que uma investigação antidumping foi iniciada, posso parar de exportar, porque quero estar numa posição de maior segurança.

A liderança do Brasil no ranking deve ser uma preocupação para os brasileiros?

Todos sabemos muito bem que, se você impõe uma medida antidumping, o produto fica mais caro para o consumidor. Isso é um fato da vida. Mas, para a OMC, o importante é verificar se isso está sendo feito dentro das regras.

Quando questionado sobre uma possível atitude protecionista, o governo brasileiro diz que está sempre dentro das regras do jogo, ou seja, respeita os acordos da OMC. A afirmação é verdadeira?

O único mecanismo da OMC capaz de dizer se um país joga dentro das regras é a disputa. Se um país trouxer questões para disputa na OMC, então haverá um julgamento sobre se o Brasil está certo ou não. Até agora, não tivemos casos contra o Brasil.

O Brasil teve um ano de baixo crescimento e, por isso, economistas disseram que barreiras comerciais foram importantes para a indústria local não ser prejudicada. Não há lógica nessa afirmação?

Tudo depende da estratégia de crescimento do país e sua relação com o comércio. No final do dia, a pergunta é: o que vai ser mais eficaz para que meu país crie empregos?

O governo brasileiro afirma que as regras da OMC estão ultrapassadas e precisam ser revistas. O senhor concorda?

Hoje a rede de disciplinas da OMC não cobre todas as práticas de negócio. Não temos regras sobre créditos de exportação, investimentos, competição, corrupção. A questão é se há entendimento suficiente entre os membros para negociar novas disciplinas. Pode acontecer ou não.

Há quem ache, no governo brasileiro, que o teto de 35% fixado pela OMC para as taxas de importação é insuficiente para proteger a indústria local em alguns casos. Há espaço para negociar um teto maior?

É um teto: você não pode passar por cima. Os membros da OMC concordaram em negociar redução do teto, não aumento. Aliás, suponho que não haveria muitas vozes no Brasil a favor de negociar um aumento no teto da tarifa para produtos agrícolas.

O Brasil levou à OMC proposta para incluir nas regras da organização ferramentas que respondam à flutuação cambial. O sr. acha que a OMC deveria incluir esses mecanismos em seus acordos?

O Brasil tem levado um bom debate à OMC. Mas, antes de você decidir criar novas regras, precisa concordar que há um problema.

A discussão até agora mostrou que muitos países não acreditam que há um problema a ser corrigido na OMC. O argumento é que o local para essas discussões deve ser o FMI (Fundo Monetário Internacional). É um bom debate e uma pergunta complexa.

A OMC revisou para baixo sua previsão sobre o comércio mundial, de 3,7% para 2,5%. O que aconteceu?

A economia mundial desacelerou, e há um paralelo entre o corte nas previsões de FMI e Banco Mundial para o PIB e nossos números. Comércio é como uma correia de transmissão entre oferta e demanda. Se a demanda encolhe, a oferta e o comércio também encolhem.

A previsão da OMC para o crescimento do comércio em 2013 é de 4,5%. O que irá mudar no cenário mundial?

O risco maior é claramente de que algo negativo aconteça. Eu posso ver de onde más notícias podem surgir, mas não consigo ver de onde boas notícias podem aparecer. Más noticias podem vir da Europa. O plano deles para sair da crise arrefeceu.

Más notícias podem vir dos Estados Unidos -se eles vão lidar bem ou não com o abismo fiscal. São grandes economias, com grande peso no comércio entre países. Acho que nossa previsão, como as do FMI e do Banco Mundial, tem um risco claro de que não se cumpra.

O senhor, então, não confia nesses números.

É verdade. Meu palpite, diante de minha experiência, é que a probabilidade maior é de um resultado mais negativo do que positivo.


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