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Entrevista da 2ª - Chen Guangcheng

Ameaça chinesa de retaliação não passa de um show

Nos EUA, dissidente diz que Pequim também depende do ocidente e cobra pressão de países por mudanças em direitos humanos

RAUL JUSTE LORES DE NOVA YORK

Uma fuga espetacular da prisão domiciliar em um vilarejo chinês até a embaixada americana em Pequim, a mais de 400 km de casa, deu fama internacional em abril passado ao dissidente Chen Guangcheng, 41, que é deficiente visual.

Depois de percalços, caronas e apoio de uma rede de amigos (além de um pé quebrado ao saltar um muro, ainda em tratamento), Chen provocou uma tensa negociação entre as duas maiores potências do mundo -e o governo chinês permitiu que ele fosse para os EUA, como bolsista da New York University (NYU), desde o final de maio.

Caçula de uma família camponesa de cinco irmãos, Chen ficou cego antes de completar o primeiro ano de idade, por causa de uma febre.

Ele se formou em acupuntura e massagem pela Escola de Medicina Tradicional Chinesa da Universidade de Nanjing, os únicos cursos para alunos deficientes visuais ali, mas assistiu ao curso de direito como aluno visitante.

Como ativista, destacou-se por ser o autor de processos coletivos contra clínicas de aborto e esterilização forçados em seu vilarejo.

Em sua primeira longa entrevista desde junho, concedida em sua sala no Centro de Direitos Humanos e Justiça Global da NYU, Chen conta como é a sua vida em Nova York, fala que não está otimista com o novo líder chinês, que assume em março, e diz que as ameaças de retaliação do governo chinês contra países que apoiem as causas de direitos humanos não passam de "show".

Ele se negou a dar detalhes sobre sua estadia de seis dias na embaixada americana em Pequim e como negociou sua saída do país.

A seguir, a entrevista que Chen concedeu à Folha.

Folha - Com o crescente poder econômico da China e suas ameaças de retaliação, não será cada vez mais limitada a pressão por abertura?
Chen Guangcheng - Lembra da abertura da Olimpíada de Pequim? Angela Merkel boicotou o evento, mas o Nicolas Sarkozy, depois de ter falado sobre a repressão no Tibete, acabou cedendo e foi à cerimônia para agradar ao governo chinês.

O que mudou na relação econômica da China com a França e com a Alemanha? Basicamente nada. Esses países precisam da China tanto quanto a China precisa das potências ocidentais. O governo chinês ameaça retaliar, mas não passa de um show.

Mas cada vez menos governos estrangeiros ousam fazer qualquer crítica à China.
O valor e o respeito a princípios tão básicos quanto os direitos humanos deveriam ser pensados a longo prazo. Os líderes democráticos, que sempre pensam em reeleição, pensam muito a curto prazo. Deveriam pensar na China como um todo, não só no Partido Comunista. E deveriam ser mais fiéis aos princípios que trouxeram democracia e desenvolvimento a seus países.

Há interesse de dezenas de milhares de empresas ocidentais em não desagradar o Partido Comunista.
Isso não me surpreende. Boa parte da crise econômica nos países ricos acontece porque conceitos éticos da vida simples foram deixados de lado pelo materialismo e pelo pensamento curto-prazo.
Empresas e governos do mundo precisam pensar na confiança que precisam construir com o povo chinês, não só com o governo. Há uma mudança na sociedade chinesa, cada vez mais crítica e decepcionada com o governo, que o Ocidente não está percebendo.

Qual a sua maior surpresa até agora com a vida americana? O que o sr. tem estudado?
O maior choque foi acompanhar a campanha eleitoral americana, a liberdade de expressão, as coisas que podiam ser faladas sobre os candidatos. As críticas. Eles são livres. Estudei a Declaração de Independência e a Constituição.

Nada mudou no sistema jurídico chinês nos últimos anos?
O sistema legal chinês melhorou nos últimos anos no papel. Mas só no papel. O Poder Judiciário chinês é um braço do Partido Comunista e só quando for independente é que poderemos ver avanços. Na prática, quase nada mudou, em alguns casos, até piorou. A existência de cadeias clandestinas onde ativistas são detidos até abandonarem suas reivindicações é um bom exemplo.

O sr. é otimista com o novo presidente chinês, Xi Jinping, que toma posse em março?
Não sou otimista com o Xi Jinping. Não é um homem sozinho que vai mudar um sistema. Mas ninguém sabe exatamente o que ele pensa ou o que a nova cúpula quer. E o fato de que tudo seja um mistério já diz muito sobre o erro de ser otimista.

Mas as jovens gerações do Partido Comunista não seriam mais abertas?
Os mais jovens podem ser relaxados em relação à parte da censura, mas também "modernizaram" a repressão. Eles não têm muito interesse em mudar o autoritarismo que os colocou no poder.

Fora da China, poucos dissidentes são realmente conhecidos, como o artista Ai Weiwei, o escritor Liu Xiaobo e o ativista Hu Jia. Vocês têm contato entre si?
Todos nós conhecemos o trabalho uns dos outros e até nos encontramos com alguns. O governo chinês pode tentar nos isolar, mas hoje, graças à internet, as notícias viajam. Não são só os jovens que conseguem driblar a censura na rede.
Há muitas pessoas mais velhas, que já viram de tudo e que querem saber os outros lados da história.

As intimidações contra a sua família que ficou na China continuam?
Meu sobrinho foi condenado a três anos e três meses de prisão e já está na cadeia. O processo não cumpriu os requisitos legais, nem o advogado teve acesso a todos os ritos. A casa do meu irmão foi invadida, sem mandado algum, e meu sobrinho, que tem 33 anos, tentou se defender com uma faca dos agressores, que batiam na minha família. E foi acusado de "tentativa de homicídio".
Até hoje espero Justiça ou algum tipo de investigação e punição contra as pessoas do governo que me destrataram e agrediram por anos.

Quando o sr. pretende retornar para a China?
Vou voltar para a China, sim, só não sei quando. Voltarei quando a China for diferente de hoje. E não vai demorar muito não. O governo chinês tem pânico da mudança, mas sabe que ela é inevitável. Fora das áreas centrais de Pequim, Xangai e Guangzhou, há uma maioria que quer mudanças.


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