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Entrevista - José Manuel Durão Barroso

Ilusão da prosperidade empurrou União Europeia para atual crise

Presidente da comissão europeia diz que bloco vive 'aguda urgência social', mas há agora sinais positivos com fim das 'dúvidas existenciais sobre o euro'

FERNANDO CANZIAN DE SÃO PAULO SILVANA ARANTES EDITORA-ADJUNTA DE “MUNDO”

Apesar da situação de "aguda urgência social" em alguns países europeus, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, vê sinais de que a crise econômica no continente entra em uma nova fase.

O português Durão Barroso, no cargo desde 2004, comemora o fim das "dúvidas existenciais" a respeito da continuidade do euro como etapa na volta da confiança dos investidores na zona.

"Só com investimento haverá crescimento", diz.

Ele atribui parte da crise atual à "ilusão de prosperidade" vivida por países que de uma hora para outra passaram a ter as taxas de juros alemãs e diz que agora a Europa está corrigindo o curso.

Durão Barroso diz estar "convencido de que o Reino Unido continuará na União Europeia", ao comentar o plano britânico de realizar plebiscito sobre a permanência do país no bloco.

A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu à Folha, anteontem em São Paulo, onde esteve após participar da cúpula Brasil-UE, na quinta, em Brasília.

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Folha - O FMI divulgou um relatório nesta semana mostrando que, em 2014, haverá uma recuperação ainda muito tênue da UE. Qual é a expectativa do sr. para a recuperação.

José Manuel Durão Barroso - A recuperação será moderada e relativamente lenta. Estamos num processo de ajustamento inevitável.

Dito isto, estou confiante em que a Europa ultrapassará as dificuldades, na medida em que a confiança vai voltando, até porque estão desaparecendo as dúvidas existenciais sobre a estabilidade financeira da zona do euro.

Desse ponto de vista, é notável o que se tem conseguido. Por exemplo, o modo como já parcialmente Irlanda e Portugal estão voltando aos mercados. A confiança está voltando à Europa. E essa confiança é essencial, porque só com confiança haverá investimento e só com investimento haverá crescimento.

Não há soluções mágicas. O processo de ajuste demora algum tempo. Por isso, temos problemas consideráveis, primeiramente o desemprego, que é o que mais me preocupa na Europa.

Estamos trabalhando para encontrar medidas que possam responder de imediato à urgência social que em alguns países é muito aguda.

O sr. disse à presidente Dilma que o pior da crise já passou. O que a Europa aprendeu?

Quero deixar claro que nunca disse que a crise já passou. Como poderia, quando em muitos países há recessão e números preocupantes do desemprego?

O que disse é que estamos numa nova fase da crise, em que as dúvidas existenciais sobre o euro já estão ultrapassadas. As lições que tiramos disso foram muitas. Primeiramente a necessidade de completar a união econômica monetária. Temos união monetária, uma moeda única, um banco central, mas não tínhamos uma união econômica. Por exemplo, uma união bancária, um supervisor integrado para a zona do euro.

A lição que tiramos é de que precisamos de mais Europa, e não de menos Europa. Pelo menos para os países que partilham a mesma moeda.

O ritmo das democracias é sempre mais lento que o ritmo dos mercados. Apesar disso, os passos foram sempre para mais integração, e não para desintegração.

Que bom, evidentemente para os europeus, mas que bom para a economia mundial. Percebeu-se nessa crise que um problema num país relativamente pequeno podia ter consequências tão grandes no conjunto europeu e até para além da Europa.

Hoje em dia estamos todos no mesmo barco. A interdependência é muito maior no século 21.

Muitos veem na crise europeia irresponsabilidade fiscal, não só dos governos, como da sociedade, que se endividou além da conta. Qual é a autocrítica que se faz?

Devemos todos fazer uma autocrítica. A irresponsabilidade é coletiva. Houve em alguns países europeus, não apenas nos países do sul, efeitos que chamei de "ilusão da prosperidade".

Como, de um momento para o outro, ficaram com taxas de juros equivalentes às da Alemanha, isso levou a um endividamento excessivo também do setor privado.

Agora vamos corrigir. E é verdade que está sendo feito.

O Reino Unido está planejando um referendo para decidir se fica ou não no bloco. Como o sr. avalia essa decisão?

O Reino Unido tem interesse em ficar na União Europeia e a União Europeia tem interesse no Reino Unido.

É verdade que o primeiro-ministro, na sua qualidade de líder do Partido Conservador, anunciou a intenção de promover um referendo, no caso de ganhar as próximas eleições, em 2017.

Agora está havendo um debate interno, que é natural e democrático. Por isso mesmo, não quero entrar em mais comentários. Estou convencido de que o Reino Unido continuará na UE.

A turbulência no norte da África, com a intervenção francesa no Mali e o chamado para que outros países europeus apoiem militarmente, vai agravar o cenário europeu?

A intervenção francesa foi feita a pedido das autoridades legítimas do Mali, e de acordo com o direito internacional. A França tomou essa decisão para evitar um mal muito maior. Não seria bom nem para Europa, nem para o mundo, que houvesse ali um Estado fundamentalista, terrorista, que é o que esteve em risco de acontecer.

Mas o governo francês e o presidente Hollande deixaram claro que a França não tem a intenção de ficar ali.

É um assunto que temos de resolver no âmbito internacional, quando um governo legítimo é derrotado por forças do tipo terrorista.

É por isso que será encontrado um meio de garantir estabilidade, que é essencial não só para o Mali, mas para toda a região do Sahel. Também para a Europa. Não seria bom termos um tipo de Afeganistão à porta da Europa.

Dito isto, não faço uma ligação direta entre essa questão e a questão econômica.

Dilma se mostrou temerosa de que essa intervenção reavivasse "tentações coloniais".

Não há qualquer espécie de tentação colonial na Europa.

Como anda a negociação União Europeia-Mercosul?

Na cúpula com o Brasil, que representa 70% do bloco, retirei a convicção do interesse e da vontade de avançar. Decidimos, e é um fato novo, criar uma comissão "ad hoc" para analisar o potencial da relação econômica Brasil-UE no capítulo do investimento.

Há grande interesse de complementaridade, até porque a UE continua a ser o primeiro investidor no Brasil.

Houve total convergência com a presidente Dilma.


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