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Entrevista da 2ª Thomas Reese

Sucessor tem que ter mais inteligência emocional do que papa Bento 16

Para teólogo e padre jesuíta americano, o próximo pontífice precisa ter experiência administrativa e ser mais questionado a portas fechadas por seus subordinados

LUCIANA COELHO DE WASHINGTON

Com a renúncia de Bento 16, a Igreja Católica precisa de um comunicador mais hábil para comandá-la, alguém que tenha mais inteligência emocional do que o alto QI dos últimos dois papas e que se disponha a ser contestado.

Só assim, avalia o teólogo e padre jesuíta americano Thomas Reese, será possível pregar o evangelho de forma atraente e clara para estancar a fuga de fiéis das últimas três décadas, que ganha fôlego na América Latina.

Reese, 68, dirigiu por sete anos a importante revista católica "America", onde publicou textos sobre casamento gay e relações com o islã. Foi afastado em 2005, a pedido da Congregação para Doutrina da Fé -até meses antes comandada pelo então cardeal Joseph Ratzinger, Bento 16.

Autor de "O Vaticano Por Dentro" (1996; Edusc; edição esgotada) e outros cinco livros sobre a Igreja Católica, o pesquisador do Centro Teológico Woodstock na Universidade de Georgetown (Washington) conversou com a Folha sobre o legado de Bento, seu sucessor e o processo de transição.

Descartou duas coisas: teorias conspiratórias e um papa latino-americano. "Não acho que haja união dos latinos por um nome", disse.

Folha - Muitas teorias circulam sobre a razão da renúncia do papa Bento 16. Alguma delas pode ser prontamente descartada?

Thomas Reese - Acho que o que aconteceu foi exatamente o que ele disse -é um caso em que a explicação bate com a realidade. Sua saúde está se deteriorando e só vai piorar. Ele decidiu que, pelo bem da igreja, é hora de se afastar. Acho mesmo que [a razão] é simples assim.

E quanto à influência que ele pode exercer sobre a escolha do sucessor? É factível?

As pessoas adoram uma teoria da conspiração.

Bento 16 já exerceu uma tremenda influência sobre a escolha de seu sucessor porque criou mais da metade dos cardeais eleitores [67 de 118]. Não acho que vá fazer muito mais que isso. E, tão logo renuncie, até um pouco antes, ele deixará o Vaticano e irá para Castel Gandolfo [residência papal de verão, 27 km a sudeste do Vaticano], impondo distância física entre ele e o conclave.

Há certa tendência de se analisar o Vaticano como se vê a política nacional em cada país. Em que o Vaticano difere?

É raro ver um governante tomar uma decisão assim. Veja o [presidente venezuelano Hugo] Chávez. Há presidentes que adoecem, não conseguem desempenhar sua função, mas continuam no cargo.

O que é especial aqui é que o papa está pondo o bem da igreja acima de seu poder e posição de honra -algo que poucos políticos fariam.

O que podemos esperar do próximo papa? Há um perfil ideal para a igreja neste momento, dado que, como o sr. já escreveu, não repetiremos João Paulo 2º nem Bento 16?

O trabalho mais importante do papa é conseguir pregar o evangelho de forma compreensível e atraente para as pessoas no século 21. É difícil.

Ele tem que ter habilidade linguística. Tem que ser um comunicador. Tem que saber, ou aprender rapidamente, italiano. E inglês, a segunda língua da maioria das pessoas, e espanhol, a língua da maioria dos fiéis. E seria bom saber português brasileiro, porque o Brasil é um país-chave.

E carisma?

Bento 16 não tinha muito carisma...

Pois é.

[Risos] Não é essencial... Talvez ele não tenha que ser exatamente carismático, mas ele tem que saber como se portar no palco mundial.

Não pode ser alguém que fale bobagem, que vá envergonhar a igreja, que cause problemas.

Ele tem, por exemplo, que entender o islã, porque, se disser algo errado a respeito, os católicos em países muçulmanos terão problemas. Ele tem que entender a crise dos abusos sexuais [na igreja], porque se disser algo errado a respeito haverá reação muito negativa nos EUA e na Europa, onde isso é um grande problema. Ele tem que ser cuidadoso ao falar.

Um bom relações-públicas é de quem a igreja precisa?

Sim.

O que o próximo papa pode aprender do legado de Bento 16, o que funcionou e o que não funcionou?

Bento 16 é muito inteligente, é um teólogo, um intelectual. A pergunta é se queremos outro papa assim, ou se queremos alguém mais pragmático, alguém que tenha sido um diplomata, ou um pastor.

Há conversas há décadas sobre reformar a Cúria, a burocracia do Vaticano. Intelectuais não são bons nisso. Precisamos de alguém com experiência administrativa.

Outra coisa: nos dois últimos conclaves, os cardeais elegeram o mais inteligente entre eles.

Queremos continuar com isso ou eleger alguém que ouça às demais pessoas inteligentes na Igreja?

Um problema de eleger alguém inteligente como o cardeal Joseph Ratzinger, ou mesmo como João Paulo 2º, é que seus subordinados relutam em desafiá-lo.

Se você acha que alguém é a pessoa mais inteligente do mundo, não o questiona, e não o protege dele mesmo. Isso colocou Bento 16 em enrascadas.

Esse temor não é algo que vem com a autoridade do cargo?

Um papa tem que querer ser desafiado a portas fechadas, para que não cometa erros. Se ele estiver com o rosto sujo e for aparecer diante de câmeras, alguém lhe dirá para limpar o rosto, não? Se ele vai dizer algo, é o mesmo.

O caso clássico é o discurso em Regensburg [Alemanha, em 2006, quando citou uma frase de um imperador bizantino que relacionava a violência ao islã].

Se os especialistas do Vaticano tivessem examinado o discurso, eles o teriam alertado para mudar as palavras. A forma como ele se expressou foi mal interpretada e causou muitos problemas.

Que outros erros houve?

Quando ele viajou para a América Latina e disse algo na linha de que a vinda dos espanhóis havia sido uma bênção para os índios por lhes trazer o cristianismo.

Não para quem foi morto.

Pois é, os espanhóis trouxeram bem mais coisas do que o cristianismo, como a exploração.

A igreja se beneficiaria de alguém com mais inteligência emocional, e não tradicional?

Sim, sim.

Há, novamente, especulações de que o próximo papa possa vir da América Latina ou talvez da África. Aconteceu o mesmo após a morte de João Paulo 2º, e o conclave elegeu outro europeu. Algo mudou?

As probabilidades sempre favorecem um europeu, que são maioria no colégio de cardeais. Além disso, se todos os cardeais latino-americanos concordassem em apoiar um só nome, o conclave poderia levar isso a sério.

Eu não acho, porém, que eles conseguem se unir em torno de um nome só. Mas acho que há uma preocupação de que seja quem for o próximo papa, ele seja sensível a questões importantes na América Latina.

Por exemplo, o cardeal canadense, Marc Ouellet. Ele tem experiência por ter trabalhado na América Latina, e isso contaria a seu favor.

O sr. quer dar um palpite sobre favoritos?

Não, não faço isso... Acho que é muito cedo para saber até quem são os candidatos principais.

As pessoas estão surpresas com a renúncia do papa, os cardeais ainda precisam conversar entre si.

Quando eles forem para o conclave [em março], veremos quem são os dois ou três candidatos favoritos. Então eles ainda precisarão conquistar 2/3 dos votos, e se ninguém conseguir, terão de chegar a um consenso. Podemos nos surpreender.

Não acho que haja um franco favorito. O cardeal Angelo Scola, da Itália, o mais citado, não está ainda nem perto de ter maioria das preferências.

Qual deve ser o foco imediato do sucessor de Bento?

O maior desafio é pregar o evangelho de forma atraente, compreensível. E tudo mais que vem a partir disso: a queda no número de pessoas que querem ser padres, a queda do número de fiéis que frequentam a igreja, o declínio da igreja na Europa e na América Latina, onde muita gente se tornou evangélica.

Sobretudo no Brasil.

Pois é, obviamente há algo errado [com a igreja] se as pessoas estão trocando o catolicismo pelos evangélicos.

É problema antigo, e Bento 16 não conseguiu evitar.

Ele reconheceu o problema, mas não achou a solução.


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