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New York Times

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Inteligência/Alberto Barrera Tyszka

A revolução bolivariana exposta

Caracas, Venezuela

Todo sábado, levo meu automóvel a um posto de gasolina.

Pelo câmbio oficial, encher o tanque custa menos de US$ 0,50. Pela taxa do mercado negro, custa apenas US$ 0,08.

Mas, em alguns dias, vou ao supermercado e não encontro alimentos básicos -leite, farinha ou arroz. Se os consigo em outro lugar, eles já aumentaram de preço, já que a Venezuela tem um dos índices de inflação mais altos do mundo, cerca de 20%.

A Venezuela não é um típico país latino-americano, mas, sim, uma fantasia petroleira peculiar. Talvez, em um futuro não muito remoto, essa ficção estoure em nossas mãos, já que o preço do barril de petróleo, depois de subir durante anos, caiu abaixo de US$ 90 nos últimos meses.

Tanto a dívida externa como a interna continuaram crescendo e chegaram ao equivalente a 70% do PIB. As exportações caíram, enquanto na última década as importações aumentaram de US$ 13 bilhões ao ano para mais de US$ 50 bilhões anuais.

A Venezuela chegou a ser o quinto exportador de café do mundo, mas hoje importa café da Nicarágua.

Há um exemplo ainda mais paradoxal: o país importa 100 mil barris de gasolina por dia. A "revolução bolivariana" que o falecido presidente Chávez proclamou não depende de seus postulados políticos nem de sua relação com a Cuba de Fidel Castro. Sua verdadeira ideologia é o preço do petróleo.

Chávez ressuscitou o sonho da riqueza nacional e contou com um ciclo de bonança petrolífera para apoiá-lo.

Não é a primeira vez que isso acontece. Durante o primeiro governo de Carlos Andrés Pérez (1974-1979), o país viveu uma euforia econômica baseada no enorme ingresso de dinheiro proveniente do aumento do preço do petróleo cru.

Os conflitos no Oriente Médio -a queda do xá e a guerra entre Irã e Iraque- adiaram a explosão da crise até 1983, quando o preço do petróleo, ajustado pela inflação, caiu de um máximo de US$ 105 o barril, em 1979, para US$ 70.

Chávez ofereceu aos venezuelanos um relato diferente, uma nova visão do futuro. Usando seu carisma pessoal e uma grande indústria propagandística, transformou-se em uma nova versão de governante. Encarnou o Estado, ditou a política como um exercício pessoal e tentou criar uma nova identidade nacional. Reviveu a tentadora ilusão de que não precisamos produzir riqueza, simplesmente temos que saber distribuí-la.

Certamente Chávez conseguiu um novo esquema de distribuição da renda do petróleo. Ele pôs a pobreza no centro da agenda e do debate do país e deu visibilidade e consciência aos pobres e excluídos. No entanto, não governou com eficácia nem resolveu os problemas da renda da população. Dedicou-se a concentrar poder e a garantir sua permanência.

Por fim, acabou administrando as esperanças dos pobres, em vez de suas finanças.

Seu legado é um país em crise. As eleições de 14 de abril, para eleger seu sucessor, depois que Chávez morreu de câncer, demonstram que houve uma mudança política.

Desde a eleição de 2006 até a de 2012, quando Chávez foi eleito para um terceiro mandato, a oposição obteve quase 2,3 milhões de novos votos, quase o triplo que o governo. Durante esses seis anos, a margem de vitória de Chávez caiu mais de 15 pontos percentuais. Sem Chávez, essa tendência se aprofundou. Nicolás Maduro, o sucessor que Chávez escolheu, ganhou por uma margem mínima.

Para enfrentar a difícil situação econômica, ele será obrigado a tomar medidas impopulares, como já teve que fazer em fevereiro, ao desvalorizar a moeda.

Os venezuelanos estão convencidos de que nenhum político poderá aumentar o preço da gasolina. Essa lenda nasceu em fevereiro de 1989, quando, em seu segundo governo, Carlos Andrés Pérez tentou aumentar de maneira gradual o preço do combustível.

De imediato, houve uma revolta popular, com saques e muitos mortos. O novo governo terá de enfrentar esse desafio.

O Estado petroleiro ficou sem recursos e sem máscara. Não há mais discursos ou cantos do Comandante. A fantasia petroleira que ele criou para seduzir o país talvez seja finalmente exposta.

É provável que o mito de Chávez sobreviva à crise, mas os venezuelanos continuarão sofrendo.


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