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New York Times

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Galeria traça história da iconoclastia no Reino Unido

Por TOM RACHMAN

LONDRES - Passar a tesoura numa paisagem de Van Gogh, espalhar tinta sobre um Rembrandt, atear fogo num desenho de Da Vinci -só de imaginar um ato desses, o estômago revira. Jamais possuiremos essas obras-primas, e, no entanto, sua destruição nos ultraja.

Certamente, esses crimes são a antítese da arte -os culpados devem ser abrutalhados ou desatinados. Mas uma nova exposição na Tate Britain apresenta um potente contra-argumento: certos ataques contêm um significado e até mesmo informações sobre a história e a arte. Para promover esse argumento, "Arte sob Ataque: Histórias do Iconoclasmo Britânico", que fica em cartaz até 5 de janeiro, apresenta pinturas retalhadas, esculturas decapitadas e outras obras danificadas, num levantamento que abrange séculos de vandalismo artístico.

A diretora da Tate Britain, Penelope Curtis, disse que a exposição causou mais nervosismo do que ela previa. Mas ela sustenta que é válido refletir sobre o significado da iconoclastia.

Infelizmente, observou ela, a questão se tornou "terrivelmente atual". Em junho, um homem borrifou tinta sobre um retrato da rainha Elizabeth 2a na abadia de Westminster. Um mural de Rothko na Tate Modern passou meses sendo restaurado depois de ser depredado no ano passado.

Mesmo assim, os curadores da Tate Britain persistiram no seu trabalho acadêmico, levantando 500 anos de ataques à arte britânica e chegando a três motivos principais: religião, política e estética.

Um desafio da exposição é se basear em obras que foram arruinadas. Tabitha Barber, integrante da equipe de curadores, citou dois fragmentos de pedra do Pilar de Nelson, monumento a um herói naval britânico que foi explodido em 1966 em Dublin por uma dissidência do Exército Republicano Irlandês. "Você poderia passar por aqueles pedaços de pedra e achar que eram apenas pedaços de pedra", disse ela. "Mas nós os trouxemos para uma exposição, os colocamos em um pedestal e os cobrimos de vidro. Estamos dizendo, na verdade, que esses fragmentos têm força."

A força da iconoclastia é especialmente ressonante no Reino Unido, onde coleções históricas foram drasticamente reduzidas pela destruição. O acervo da Tate, por exemplo, não contém nada anterior a 1545, em grande parte por causa da eliminação da arte religiosa depois que Henrique 8° rompeu com a Igreja Católica Romana.

Entre as peças mais valiosas da exposição está o "Cristo Morto", escultura de calcário, em tamanho real, feita entre 1500 e 1520, mostrando Jesus após a crucificação. Quem a atacou arrancou a coroa de espinhos, os pés, o braço direito e o antebraço esquerdo -uma tentativa de neutralizar a obra, mas que só intensificou a imagem de sofrimento.

Em 9 de julho de 1776, as tropas de George Washington em Nova York derrubaram uma estátua equestre de George 3° de 1,8 tonelada de chumbo. A cabeça foi transportada para uma taverna. A maior parte do resto da estátua foi fundida e transformada em 42.088 balas a serem usadas contra soldados britânicos.

As partidárias do sufrágio feminino também se voltaram contra a arte, escolhendo alvos como galerias onde homens poderiam observar nus. Em 1914, uma mulher atacou a "Vênus do Espelho", de Velázquez, na National Gallery, fatiando as costas da figura nua.

Outra vítima foi um retrato do romancista Henry James por John Singer Sargent, na Royal Academy. A agressora atingiu a imagem com um cutelo de carne. "Ela me atingiu três vezes antes que a machadinha fosse contida", brincou James. "Naturalmente me sinto bastante escalpelado e desfigurado, mas vocês ficarão felizes em saber que aparentemente fui declarado curável." A obra foi restaurada pelo próprio Sargent.

A exposição demonstra que ataques políticos são invariavelmente declarações sobre o poder, como a afirmação de uma nova autoridade, como foi o caso da derrubada da estátua de Saddam Hussein após a invasão do Iraque.

Recentemente, artistas fizeram experimentos com a desfiguração. Jake e Dinos Chapman, conhecidos por comprarem gravuras de Goya e desenharem rostos de palhaços ou cabeças de bichos sobre elas, estão representados na exposição com "Um Dia Você Não Será Mais Amado", série para a qual eles adquiriram retratos vitorianos e os modificaram de modo que eles pareçam estar se decompondo.

Desfigurar a arte desperta questões perturbadoras. Alguns podem argumentar que o gesto dos irmãos Chapman é equivalente ao do homem que rabiscou seu nome sobre a obra de Rothko e está cumprindo dois anos de pena por causa disso. Uma distinção importante: os irmãos Chapman compram as obras antes de desfigurá-las.

"Como pode que a arte importe tanto a ponto de as pessoas se darem ao trabalho de destruí-la?", disse David Freedberg, professor de história da arte da Universidade Columbia, em Nova York. "O amor e o ódio pela arte são dois lados da mesma medalha."


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