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New York Times

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Inteligência/Roger Cohen

Ocidente falha ao não proteger civis sírios

Londres

O pêndulo se inclinou sobre a Síria. Todos os olhares estão postos na diplomacia, com o ditador Bashar al-Assad no centro do palco. Um ataque militar americano foi evitado no último momento por um acordo que reabilitou o líder sírio, enquanto o obrigava a entregar suas armas químicas. O governo Obama hoje parece acreditar que um acordo negociado em Genebra no mês que vem poderá moldar o fim da guerra e uma transição política.

Não prenda a respiração.

Com dois anos e meio de guerra, mais de 100 mil pessoas morreram, quase um terço da população do país fugiu de suas casas e 2 milhões de refugiados inundaram a Turquia, o Líbano, a Jordânia, o Iraque e o Curdistão iraquiano. Assad, na tradição familiar de 42 anos, atacou sua população com tiros, morteiros, bombas e finalmente gás.

A oposição síria está estilhaçada, mas não fará um acordo no qual Assad participe. O presidente sírio deixou claro em entrevistas recentes que não vê motivos para que seu regime não continue. Não são diferenças superáveis, sejam quais forem as alegações do Ocidente.

Um conflito que começou como uma rebelião popular contra a ditadura Assad -e foi rapidamente confrontado com balas- transformou-se em uma guerra civil que atraiu jihadistas sunitas de todo o mundo árabe, apoiados pelos bilhões do Qatar e da Arábia Saudita. Do lado do regime, os xiitas do Hizbollah e da Força Quds do Irã estão alinhados.

Um confronto sunita-xiita interfronteiras hoje se dissemina.

Crescem as áreas sem lei, grandes criadouros de terror. Ninguém tem qualquer ideia de como reunificar a Síria.

Mas isso não era inevitável. Aconteceu principalmente porque a política dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais foi ineficaz.

O Ocidente apoiou o Exército Livre da Síria e prometeu ajuda militar, mas não entregou. Líderes ocidentais reconheceram a aliança de oposição como representante legítima do povo sírio, mas hoje trata com Assad e está pressionando os líderes relutantes da oposição a aderir às negociações de Genebra. O presidente Obama traçou uma "linha vermelha" contra o uso de armas químicas e depois piscou os olhos. Os Estados democráticos falharam em sua responsabilidade de proteger a população síria.

Isso não quer dizer que determinar um curso efetivo sobre a Síria tenha sido fácil um dia. Iraque e Afeganistão são histórias mais simples. As sociedades ocidentais temem a guerra. Ninguém anseia por outro imbróglio ocidental em um Estado muçulmano.

Rússia e China bloquearam a autorização para uma intervenção na Síria no Conselho de Segurança da ONU, e assim qualquer intervenção não teria autoridade legal.

Mas a lei internacional não é imutável. Ela evoluiu desde o fim da Guerra Fria. Depois do genocídio em Ruanda, depois do genocídio na Bósnia, depois de Srebrenica, as sociedades ocidentais se envolveram em um sério debate sobre quando a intervenção seria legítima, mesmo que não fosse legal.

Como observou Michael Ignatieff, acadêmico e ex-líder do Partido Liberal do Canadá, "o que a lei proíbe a consciência ainda pode exigir".

O Ocidente interveio sob esses termos em Kosovo, livrou-se de um ditador, e hoje os países balcânicos estão em paz e ingressando na União Europeia.

Pós-Ruanda, pós-Bósnia, pós-Serra Leoa, toda uma doutrina foi desenvolvida, chamada Responsabilidade de Proteger, ou R2P na sigla em inglês. Ela estipula que a proteção dos civis, em certas condições, pode ser uma base legítima para o uso da força. Ela foi endossada pela maioria dos membros da ONU. Se a Responsabilidade de Proteger um dia for acionada, será pela barbárie na Síria.

Legalidade e legitimidade podem divergir. E o fizeram na Síria. Vale a pena lembrar que o preâmbulo da Carta da ONU começa com "Nós, os povos das Nações Unidas", deixando claro desde a primeira frase que -depois das câmaras de gás de Auschwitz- ela foi proclamada em nome dos habitantes, e não dos governos, do mundo. A ONU deve defender os direitos inalienáveis de todo ser humano, como as crianças vítimas de gás em Zamalka.

A guerra hoje é um borrão. Está aí como ruído de fundo. Mas ela evoluiu. Com um ano de rebelião, em março de 2012, como comentaram Hugh Eakin e Alisa Roth na "New York Review of Books", a agência de refugiados da ONU registrou apenas 30 mil refugiados da Síria. Em março deste ano, o número alcançou 1 milhão. Seis meses depois, 2 milhões.

Recentemente, António Guterres, o alto comissário para Refugiados da ONU, declarou: "Não víamos um fluxo de refugiados crescer em um ritmo tão assustador desde o genocídio de Ruanda, quase 20 anos atrás".

O que dizem esses números? Eles são uma crônica de oportunidades desperdiçadas. O Ocidente poderia ter protegido os civis da brutalidade do regime por meio de corredores humanitários. Ou poderia ter dado apoio e reconhecimento à oposição de maneira significativa, armando esses combatentes desde o início.

Em vez disso, temos um êxodo de proporções ruandensas enquanto o Ocidente tenta reinventar mais uma vez sua reação. O preço da Síria será pago durante muitos anos.

Envie comentários para intelligence@nytimes.com


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