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New York Times

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Governo chinês força urbanização

Cidades na China expõem disfunção social

Por IAN JOHNSON

HUAMING, China - Três anos atrás, a Exposição Mundial de Xangai apresentou esta cidade, recém-construída, como o exemplo de que a China deixaria de ser uma terra de fazendas para ser uma terra de cidades. Hoje Huaming pode ser um modelo de outra transformação: a guetização das novas cidades chinesas.

Os sinais de disfunção social são muitos. Os jovens, que passam os dias em cibercafés ou salões de bilhar, dizem que poucos têm empregos. Os idosos são obrigados a fazer bicos para pagar as contas no fim do mês. As estruturas familiares e de vizinhança foram abaladas. Além disso, aumentaram os suicídios.

Enquanto a China leva adiante a urbanização promovida pelo governo, muitos temem que as dezenas de novos conjuntos habitacionais possam ter o mesmo destino que os projetos do pós-guerra nos países ocidentais. Destinados a solucionar um problema, eles talvez estejam criando outros que poderão empestar as cidades chinesas durante gerações.

"Tenho crises de ansiedade porque não temos renda nem emprego", disse Feng Aiju, 40, ex-agricultora que se mudou para Huaming em 2008 contra sua vontade. Ela disse que gastou uma pequena fortuna pelos padrões locais, US$ 1.500, com antidepressivos. "Nunca tivemos a oportunidade de falar, nunca nos perguntaram nada. Eu quero ir para casa."

Huaming está longe de ser uma favela perigosa. Não tem gangues, uso de drogas ou violência de rua. Quase metade da cidade é dedicada a áreas verdes. Árvores bordam as ruas que levam às escolas.

Mas as novas casas têm paredes rachadas, janelas que vazam e elevadores com piso enferrujado. Para os agricultores, que foram intimados a entregar suas terras ancestrais, a deterioração aumenta a sensação de que foram enganados.

"Aquela terra era deles", diz Wei Ying, mulher de 35 anos desempregada, cujos pais vivem em uma unidade mal construída. "Você precisa compreender como eles se sentem no íntimo." A sensação de desespero e alienação vem à superfície nos suicídios -o salto de uma sacada tarde da noite, a ingestão de pesticida ou o deitar-se nos trilhos do trem.

"Estamos falando de centenas de milhões de pessoas que estão se mudando para esses lugares, mas o padrão de vida para esses realojados na verdade caiu", disse Lynette Ong, cientista política da Universidade de Toronto que estudou áreas de reassentamento. "Além disso, há a qualidade dos edifícios -houve muita corrupção e eles roubaram os materiais."

Essas novas cidades contrastam com a habitação improvisada onde vivem outros migrantes. Muitas delas são criadas por agricultores que decidiram deixar sua terra. Embora amontoados, esses locais são cheios de vitalidade e mobilidade ascendente, disse Biao Xiang, da Universidade de Oxford, na Inglaterra.

"Esses bairros de migrantes nas grandes cidades são muitas vezes chamados de favelas, mas são as novas comunidades de reassentamento que serão mais difíceis de reviver, em parte porque não estão relacionadas a qualquer atividade econômica produtiva", disse o professor Xiang.

A ideia por trás de Huaming foi radicalmente diferente. Em 2005, o distrito de Huaming foi escolhido para ser uma demonstração de urbanismo planejado e bem-sucedido. Um distrito é uma unidade administrativa maior que uma aldeia e menor que um condado, e Huaming tinha 41 mil pessoas vivendo em 12 pequenas aldeias espalhadas por 155 quilômetros quadrados, na maioria terras agrícolas.

Para o norte da China, o local era incomumente fértil, porque tinha água em abundância. Nos arredores de uma das maiores cidades da China, o porto de Tianjin, Huaming era conhecida por seu artesanato e especialmente por seus legumes.

Os urbanistas, porém, a consideraram um grande problema. "As aldeias formadas naturalmente tinham sofrido desenvolvimentos desordenados que resultaram em baixa densidade das construções, em espaço industrial desorganizado e má distribuição", segundo uma publicação que explicou a necessidade de mudança. (As autoridades recusaram pedidos de entrevista.) As aldeias não tinham tratamento de esgoto e eram "sujas, desordenadas e abaixo do padrão".

A ideia foi consolidá-las em uma nova cidade chamada Huaming, que ocuparia menos de 2,5 quilômetros quadrados, em vez dos 8 que as 12 aldeias tinham ocupado.

Uma parte dos 152 quilômetros quadrados restantes poderia ser vendida para incorporadores para pagar pela construção, o que significava que os novos edifícios não custariam nada para os agricultores ou para o governo.

O resto da terra continuaria sendo utilizado para fins agrícolas, mas seria cultivado por alguns agricultores restantes usando métodos modernos.

Isto alcançaria outro objetivo: não reduzir a quantidade de terra arável.

A construção começou em março de 2006 e foi concluída apenas 16 meses depois. A cidade é formada por prédios de seis a nove andares, divididos em condomínios fechados de cerca de uma dúzia de edifícios. O espaço comercial se limita oficialmente a duas ruas, tornando o resto da cidade uma área residencial tranquila, centrada nas novas escolas. Um parque atraente com um lago fica aberto à noite para encontros sociais.

O maior ponto de venda na literatura oficial é como o espaço seria distribuído. Os agricultores poderiam trocar o espaço útil em sua casa na fazenda por um apartamento do mesmo tamanho na nova cidade.

Até o pátio em torno da casa rural entrava na equação.

O que aconteceu foi mais complexo. A maioria acabou tendo menos espaço para viver do que tinha na fazenda. E muitos não queriam deixar sua terra. Em 2008, a oferta do governo tinha alcançado um sucesso limitado, e apenas a metade da população decidiu se mudar. Mas a propaganda do governo já saudava Huaming como um sucesso e as autoridades planejavam apresentá-la na feira mundial dali a dois anos. "Eles disseram que se não nos mudássemos isso afetaria a exposição mundial", disse Jia Qiufu, 69, ex-morador da aldeia de Guanzhuang.

O governo local fez intensa pressão para forçar os agricultores a deixarem suas aldeias. Destruiu as estradas e cortou a eletricidade e a água. Mesmo assim, milhares de pessoas ficaram. Como última medida, as escolas foram demolidas.

Além da insatisfação sobre a quantidade de espaço que receberiam, os agricultores estavam preocupados com os empregos, temor comum em outros projetos de reassentamento. Comparado com projetos de relocação em áreas remotas, Huaming é quase um grande corredor de transporte, a Via Expressa Pequim-Tianjin. Também é vizinha do enorme centro de logística do aeroporto de Tianjin, que oferece milhares de empregos. Muitos agricultores disseram, porém, que não se qualificaram para esses cargos.

Segundo os moradores de Huaming, os únicos empregos disponíveis para eles são trabalhos sem perspectivas, que pagam o equivalente a US$ 150 por mês. Mesmo assim, a concorrência por eles é ferrenha. Migrantes pobres de outras partes da China estão dispostos a trabalhar por ainda menos. Quase toda a jardinagem nos espaços públicos de Huaming, por exemplo, é feita por trabalhadores da província interior de Henan, que vêm por um curto período e vão embora. "Comparado com Henan, é bom trabalho", afirmou Zhuang Wei, 58, que disse morar em um quarto com outros cinco homens.

Mesmo quando conseguem trabalhos que pagam bem, os moradores dizem que quase não podem pagar as contas. Uma creche custa US$ 100 por mês por criança.Outros custos também são altos. A inflação quase duplicou o preço do arroz. No passado, eles mesmos o plantavam.

Muitos parecem ter desistido de encontrar trabalho. Os cibercafés ficam lotados de jovens. Em um deles, Zhang Wei, 28, disse que tinha investido US$ 4.300 para reformar o apartamento e instalar computadores. A antiga sala da unidade estava cheia de jovens debruçados sobre telas. "São todos moradores desempregados, mas sem qualificações o que podem fazer?", indagou Zhang.

Mais comuns são as histórias de idosos que rapidamente morrem de doenças. "Estou cansada, muito cansada", disse uma mulher idosa que só deu seu sobrenome, Wei. "Veja os campos vazios", disse Wei Naiju, que veio da aldeia de Guanzhuang. "Você realmente poderia plantar alguma coisa lá."

Percorrer as aldeias demolidas com ex-moradores é especialmente triste. É uma paisagem bombardeada, com alicerces cobertos por detritos.

De volta à cidade, a vida de quem se mudou para o distrito foi memorializada em um museu. Cheio de vitrines em tamanho real com casas de aldeia e figuras humanas, é uma recriação da antiga vida na aldeia. Uma placa introdutória explica: "O tempo passa e as coisas mudam".


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