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New York Times

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Presunção de culpa

Por DAVID M. HERSZENHORN

Moscou

DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO RUSSA, Pavel Dmitritchenko, o astro da dança acusado de encomendar um ataque com ácido contra o diretor artístico do Balé Bolshoi, é inocente até que se prove o contrário. Mas, no tribunal, Dmitritchenko fica sentado em uma jaula de ferro trancada, sob a guarda de dois agentes de segurança e, às vezes, de um cão de aparência desagradável.

Uma cena semelhante teve lugar recentemente no Cairo, onde o deposto presidente egípcio Mohammed Mursi foi encerrado com outros réus em uma jaula de metal revestida de arame trançado. Mursi adotou uma atitude desafiadora, exigindo um microfone para falar a partir da cela e denunciando o julgamento como ilegítimo.

Embora há tempos o Tribunal Penal Internacional, em Haia, classifique como prejudiciais os bancos dos réus fechados, seja em forma de celas metálicas ou cubículos de vidro ou madeira, eles ainda são comuns, e não apenas em países como a Rússia e o Egito, onde o sistema judicial costuma ser alvo frequente de críticas internacionais, mas também em muitas democracias ocidentais, incluindo o Reino Unido e a França.

Críticos dizem que a exibição de réus trancafiados na corte é uma presunção de culpa, dificulta a defesa e, com frequência, não tem nenhuma base legal, decorrendo de normas administrativas. Na Rússia, esse tratamento acontece mesmo para quem representa um risco pequeno à segurança, como as integrantes da banda Pussy Riot, condenadas por vandalismo no ano passado.

"Às vezes você consegue trocar duas palavras pela jaula se o agente de segurança permitir, mas normalmente a jaula fica longe", disse Sergei Kadirov, um dos advogados de Dmitritchenko. "É um sério obstáculo à manutenção de direitos iguais na sala do tribunal."

A prática está sob renovado escrutínio por parte de juristas e ativistas dos direitos humanos, que dizem que os danos potenciais -para os réus e para o processo judicial- se multiplicaram depois que os procedimentos nos tribunais passaram a ser transmitidos pela internet.

O modo como os réus são exibidos na corte, especialmente em casos políticos, pode influenciar juízes, júris e a opinião pública. "Assim que você coloca alguém em uma jaula, você começa a transformar o processo em parte da punição", disse Linda Mulcahy, professora de direito na London School of Economics.

A Corte Europeia de Direitos Humanos emitiu sentenças nos últimos anos contrárias ao uso de bancos de réus fechados, aos quais tachou de degradantes ou desumanos, incluindo os que são empregados na Rússia e nas antigas repúblicas soviéticas Armênia, Moldávia e Geórgia. Mas a determinação não chega a classificar esse tipo de espaço como uma violação de direitos.

Uma decisão contra a Rússia no final do ano passado foi o mais longe que a corte de direitos humanos avançou até hoje na censura a essa prática sob virtualmente qualquer circunstância.

A sentença dizia respeito a dois homens colocados em uma jaula enquanto eram julgados por assalto à mão armada, no extremo leste russo. Os homens, absolvidos de todas as acusações, se queixaram de terem sido mantidos como "macacos em um zoológico". A corte constatou que não havia nenhuma prova que "propiciasse uma base séria para o temor de que os requerentes representassem um perigo à ordem ou à segurança do tribunal". A Rússia recorreu da decisão.

Embora haja poucos estudos sobre a potencial influência de bancos fechados sobre o veredicto dos júris e juízes, especialistas argumentam que os réus ficam claramente numa situação de desvantagem.

Cortes da França, da Inglaterra, do Canadá e de boa parte da Austrália normalmente deixam os réus em bancos cercados, feitos de madeira ou de uma combinação de madeira e vidro. Na Inglaterra, os espaços para os réus precisam ter paredes laterais de mais de dois metros de altura. Bancos de mais alta segurança costumam ser fechados por vidro até o teto do tribunal.

Embora os réus nos julgamentos italianos da máfia, na década de 1920, fossem mantidos em jaulas, a primeira referência ao uso moderno de bancos fechados em casos especiais é o julgamento do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann, que ficou numa caixa de vidro durante os procedimentos na corte em Israel, em 1961.

Em 2010, promotores apresentaram uma reclamação de periculosidade ocupacional contra o Judiciário da província canadense de Nova Escócia, que não usa bancos de réus fechados.

"As pessoas atiram coisas em nós, ameaçam cortar nossas cabeças, nos dão socos, mesmo algemadas. Sem as algemas, elas escapam", disse Rick Woodburn, presidente da Associação Canadense dos Procuradores da Coroa, que representa promotores no Canadá, onde são amplamente usados bancos comuns para os réus. "A proteção e a segurança das pessoas dentro da plenária do tribunal são de suprema importância."

Nos Estados Unidos, as jaulas praticamente foram eliminadas após decisões judiciais, incluindo da Suprema Corte. Em algumas cortes americanas, os réus potencialmente perigosos são acorrentados ao chão por algemas nos tornozelos. Outras exigem que um cinto elétrico, que possa provocar um choque imobilizador, seja colocado sob as roupas dos réus. Como medida de segurança, o Tribunal Penal Internacional, em Haia, posiciona a galeria dos espectadores atrás de uma divisória de vidro.

Especialistas dizem que, na maioria dos países, o uso dos bancos enjaulados é regulado por normas administrativas, com base nas recomendações de consultores de segurança ou autoridades policiais. Em muitos lugares, os juízes têm autoridade, mas suas escolhas são limitadas pelo projeto das salas dos tribunais.

Mulcahy disse que as jaulas parecem particularmente prejudiciais em países como Inglaterra ou França, onde, se não fosse por isso, os direitos dos réus estariam mais bem protegidos. Ela disse: "Por que motivo queremos marginalizar dessa maneira alguém que é presumivelmente inocente?".


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