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New York Times

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Inteligência/Roger Cohen

Diplomacia americana no rumo certo

BOSTON

Em "The Unwinding" (O desenrolar), seu ótimo livro sobre o desgaste da tessitura social dos Estados Unidos, George Packer dedica um capítulo a Colin Powell, o ex-secretário de Estado que não enxergou como estava sendo driblado por ideólogos, que o induziram a apresentar argumentos públicos em favor de uma guerra no Iraque de cuja justificativa ele próprio tinha dúvidas.

Quando a guerra no Iraque começou, o presidente George W. Bush disse que andava dormindo como um bebê [ou seja, sem preocupações]. Packer relata que a resposta de Powell foi: "Eu também ando dormindo como um bebê. De duas em duas horas, acordo gritando."

Uma década se passou desde então, e a gritaria praticamente não parou. Diatribes, calúnias, discursos em tom grandioso e posições pouco razoáveis vêm acompanhando uma política externa americana ziguezagueante em que o papel do Departamento de Estado em muitos momentos tem sido secundário ao da Presidência, do Pentágono e da Agência Central de Inteligência (CIA). Os grandes problemas -Afeganistão, Irã, Israel-Palestina- continuaram como feridas abertas. Surgiram outros, no Egito e na Síria. A política externa em muitos momentos parece ter sido ditada, ou frustrada, por quem grita mais alto. A estadística tem sido um termo quase pitoresco, de tão distante do que se tem visto na prática.

Em seu primeiro mandato, o presidente Obama tentou frear a ampliação dos assentamentos israelenses na Cisjordânia. Assim que a previsível gritaria começou, ele deixou a questão de lado. Envolveu-se numa cacofonia em torno do Afeganistão. O resultado foi um custoso envio de tropas adicionais. Apenas agora é que Obama parece estar descobrindo o trabalho árduo e o "toma lá, dá cá" da diplomacia.

John Kerry é um secretário de Estado muito diferente de Hillary Clinton, que enxergava o cargo por uma ótica política sobretudo doméstica e, por essa razão, relutava em encarar os problemas realmente difíceis. Kerry já perdeu sua chance de ser presidente. Para ele, o que conta são as conquistas diplomáticas significativas.

O acordo interino com o Irã, congelando o programa nuclear desse país no ponto onde está por seis meses, enquanto se busca um acordo pleno, representa uma conquista enorme. É o melhor trato que poderia ter sido feito agora. Cria algum espaço para o Irã e os Estados Unidos reduzirem seu distanciamento (nenhum acordo final fará qualquer sentido se os dois países continuarem envolvidos numa virtual guerra indireta em várias frentes). Mas, para além de sua utilidade prática, o acordo fechado em Genebra tem grande significado político.

Ele foi concluído a despeito da forte oposição de Israel, da rejeição acirrada do poderoso lobby pró-Israel nos Estados Unidos e da hostilidade no Congresso. Pagando um custo político importante por isso, Obama desafiou facções que têm sido dominantes. Ele o fez baseado na convicção de que o acordo atenderá aos interesses de longo prazo dos EUA. Foi um ato de coragem política que se fazia muito necessário.

Pesquisas de opinião mostram que a maioria dos americanos é a favor do acordo, assim como muitos membros influentes do establishment de segurança e defesa. Numa carta às lideranças do Senado e da Câmara de Deputados, cinco ex-embaixadores dos EUA em Israel e quatro ex-subsecretários de Estado, incluindo Thomas Pickering e Nicholas Burns, disseram que o acordo é um avanço. Eles escreveram:

"Estamos cautelosamente esperançosos de que os Estados Unidos, juntamente com outras potências mundiais, chegarão dentro de seis meses a um acordo abrangente que impeça o Irã de obter uma arma nuclear, que resulte no desmantelamento máximo possível do programa iraniano e que reduza muito o incentivo iraniano para até mesmo considerar tal opção." Eles notaram, também, que "décadas de apoio americano constante às necessidades de segurança de Israel hoje garantem que as muito conhecidas e amplamente compreendidas capacidades militares estratégicas de Israel sejam muito superiores às do Irã; e a situação deve continuar a ser essa".

Mesmo Henry Kissinger e George Shultz, dois ex-secretários de Estado republicanos que têm reservas em relação ao acordo interino, admitem que alguma capacidade nuclear iraniana limitada e estritamente monitorada fará parte de qualquer acordo de longo prazo possível. Eles escreveram no "Wall Street Journal":

"A diplomacia americana tem três tarefas pela frente: definir um nível de capacidade nuclear iraniana limitada a utilizações civis plausíveis (alcançando salvaguardas para assegurar que esse nível não seja excedido), deixar aberta a possibilidade de um relacionamento genuinamente construtivo com o Irã e traçar uma política para o Oriente Médio ajustada às novas circunstâncias."

Pelo fato de que a diplomacia americana retornou, desafiando a horda que declama discursos, essa tarefa imensa hoje já deixou de ser impossível.


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