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New York Times

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Na China, anúncio de mudanças suscita dúvidas

A vida do povo chinês pode estar prestes a mudar

Pequim

Vivo no campo, a 50 quilômetros de Pequim, numa pequena casa que meu parceiro e eu construímos num pomar de caquizeiros. Num dia de tempo bom, podemos olhar pela janela e ver os caquis alaranjados suspensos contra um fundo de céu azul.

Desde que eu voltei de Nova York para a China, em 1991, sabia que poderia perder esse oásis se o secretário do Partido Comunista da vila decidisse mandar para cá uma máquina de terraplanagem. Se isso acontecesse, não haveria nada que eu poderia fazer a respeito.

Nada até agora, talvez. A conferência do Comitê Central do Partido Comunista gerou a esperança de que isso, além de outros controles governamentais sobre a vida dos chineses, vai mudar. Mas é uma esperança que vem acompanhada de uma atitude precavida que é fruto da história.

Desisti há muito tempo de tentar decifrar o jargão dos comunicados divulgados após as sessões do Comitê Central.

Eles são cheios de frases como "Quatro Modernizações", "Oito Glórias e Oito Vergonhas" e assim por diante.

As pessoas podem ficar cínicas em pouco tempo na China. Depois de abrir meu próprio negócio, promovendo jovens estilistas chineses, fiquei animada quando o Comitê Central -em outro comunicado, divulgado oito anos atrás- anunciou um programa nacional para promover a cultura e o setor criativo. Seria um grande esforço governamental para passar de "Made in China" para "Designed in China". Fiquei esperançosa, até descobrir que apenas empresas estatais receberiam os incentivos fiscais e subsídios oferecidos.

Os líderes chineses não gostam de deixar as coisas claras, para não correr o risco de serem responsabilizados pelo que dizem. Usam-se eufemismos para falar de coisas importantes: os esforços de combate à corrupção são "capturar tigres e esmagar moscas". Mas o comunicado mais recente é algo diferente, uma surpresa total. Lê-se quase como um projeto de lei de Washington.

Para começar, o governo decidiu criar um imposto sobre a propriedade. Até agora, a China vem sendo generosa com os donos de propriedades e os ricos: não há impostos sobre bens ou impostos sobre ganhos de capital. E vocês nos chamam de comunistas. Vá entender. Mas eu pagarei com o maior prazer o imposto se puder de fato ser dona da propriedade e ser protegida pela lei. Do jeito como as coisas são hoje, os chineses só podem ser protegidos pelas conexões que tiverem com figuras poderosas. Se você não as tem, sempre pode comprar algumas. Assim, um imposto sobre a propriedade, em troca de direitos sobre a propriedade, constitui um passo na direção certa.

A maioria dos chineses em áreas urbanas possui apartamentos ou casas vendidos por construtoras, com escrituras corretas e proteção prevista pelas leis chinesas de propriedade. Mas imóveis como o meu -e isso se aplica à maioria dos terrenos em subúrbios e nas áreas rurais usadas por agricultores- são considerados propriedades menores. A terra pertence às vilas, e nós apenas a arrendamos. Não temos contrato nem proteções. O governo pode desapropriar a terra quando e como quiser, sem ter que pagar uma compensação justa.

Com a campanha de urbanização movida pelo Partido Comunista, a remoção forçada de famílias de propriedades menores vem sendo motivo de queixas e de turbulência social nos últimos cinco anos. Autoridades locais expulsam agricultores de suas terras para vender esses espaços a construtoras.

Agora chega a "Decisão" do partido, estipulando que os direitos sobre propriedades menores serão protegidos e que os chineses poderão comprar e vender os direitos de uso da terra. Se isso realmente acontecer, significará que finalmente terei segurança em minha casa. Poderei fazer as reformas que há tanto tempo quero fazer sem o receio de perder tudo.

Outras mudanças anunciadas pelo partido também podem alterar a vida das pessoas de modo imediato: a abolição dos campos de trabalho forçado, por exemplo, e o fim da política do filho único. Minha empregada doméstica, uma mulher de 55 anos da vila, já me entregou seu aviso prévio. Ela tem uma neta, mas quer um neto para levar adiante a linha familiar, e vai deixar de trabalhar para mim assim que sua nora engravidar novamente.

Mas me preocupa a possibilidade de que sejam esperanças vãs. Se os direitos sobre propriedades menores forem protegidos, suspeito que o processo de registro das mesmas seja outro esquema com abundância de propinas a serem pagas às autoridades locais. Se eu de fato conseguir uma escritura de minha casa, duvido que a polícia me proteja, porque ela também pode ser comprada.

Os pronunciamentos mais recentes do partido me fazem sentir como se estivesse sentada num carro que não dá a partida. Cada vez que giro a chave, me movo para frente no banco, mas o carro nunca se mexe de fato. Sinto como se a China inteira estivesse comigo. Todos queremos avançar, sobretudo os altos dirigentes, mas nenhum de nós está indo a lugar algum. Estamos em um veículo de 5.000 anos de idade que está quebrado, simplesmente.

Hung Huang é escritora e fundadora da loja Brand New China. Envie comentários para intelligence@nytimes.com


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