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New York Times

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Ensaio - Damien Cave

A lenta transição de Cuba

País atenua restrições ao comércio e repensa projeto de igualdade

HAVANA - Talvez fosse por causa do clipe de Robin Thicke nas TVs de tela plana ou da imagem da ponte do Brooklyn se espalhando sobre a área VIP. Ou talvez fosse apenas por causa do nome da boate: Sangri-LA. O fato é que, enquanto tomava meu rum de US$ 4, eu só sabia que esta não era a Cuba da revolução de Fidel Castro, em 1959.

Nem era a Cuba que eu visitei pela primeira vez no final da década de 1990 com a minha mulher, que é cubano-americana. Lá havia uma escassez opressiva. Quase todos que encontrávamos nos pediam alguma coisa -sabonete, dinheiro e até os tênis nos nossos pés.

A Cuba que encontrei numa visita recente parecia um país às voltas com suas vontades e sobressaltada em sua avidez de alcançar o resto do mundo -algo simbolizado por esta boate pequena, mas chamativa, que pertence a um particular e funciona no porão de uma mansão no bairro de Miramar.

A estratificação que emergiu após o colapso soviético, quando cubanos com empregos no turismo ou parentes no exterior sobrepujavam seus compatriotas, parecia estar se acelerando, e, embora a desigualdade não seja nem parecida com a verificada nos EUA ou na Cuba pré-Castro, eu me perguntava o que os cubanos estavam achando da nova dinâmica de "ter"/"não ter" que surgia entre as fissuras do comunismo.

Quando pedi a opinião de um sujeito ao meu lado -um jovem com descolados óculos escuros- sobre as mudanças em Cuba, ele disse: "Não estou dizendo uma palavra".

Então fui a outro lugar atrás de conversa -e de indicadores. O caso de amor de Cuba com os filme americanos de gângster, na década de 1930, prenunciava a violência dos "pistoleros" que passou a identificar Havana nos anos 1950. Após o triunfo de Fidel Castro e seus guerrilheiros, fardas verdes entraram na moda, assim como a chegada da ajuda russa nos anos 1960 levou a símbolos russos de status -especialmente os sedãs Lada azul-marinho.

Hoje em dia, enquanto Raúl Castro gradualmente tenta modernizar a economia com uma pitada de iniciativa privada, a maré dos gostos mudou. Por toda Havana, os símbolos governamentais estão em baixa. Novos desejos estão chegando.

Os adolescentes que descem correndo de patins pelo Paseo del Prado, a ampla alameda que divide a turística Havana Velha da Havana Central, não prestavam atenção aos pálidos turistas que passavam. Há mais ou menos uma década, eu não teria podido caminhar mais do que alguns metros sem ser acossado por rapazes tentando me vender charutos, uma prostituta ou uma refeição. Mas agora, exceto por uma ou duas solicitações vadias, ninguém parecia se importar. A energia dos jovens estava mais voltada para outros lugares.

No Malecón, a avenida à beira-mar da capital, os celulares repentinamente se tornaram comuns. Em 2008, Raúl Castro ofereceu aos cubanos comuns o direito de possuí-los, e seu uso disparou. Até certo ponto. Quando topei com Jenifer García, 15, e Ángel Luis, 21, deitados na amurada, eles estavam usando o celular para ouvir música. Luis disse que havia pagado US$ 80 por aquele velho BlackBerry Torch com tela rachada, trazido para Cuba por um amigo que foi a Nova York.

Mas não vi muitos celulares nas partes mais pobres da Havana Central. O que vi foram homens puxando majestosas portas coloniais de madeira para fora de um velho edifício. Eles estavam transportando as últimas marcas da antiga beleza do bairro para um restaurante em outra parte.

A alguns minutos de carro para oeste, no Vedado, um bairro residencial mais agradável, fica uma das mais notáveis casas antigas de Havana. Avermelhada e degradada no exterior, pertenceu a uma família rica e de gosto excêntrico. Agora, lá vivem 14 famílias, cerca de 50 pessoas amontoadas. Duas portas adiante há uma ampla casa colonial recém-pintada de amarelo. Os proprietários, que herdaram o imóvel, contaram que alugam seus quartos para turistas.

Perguntei a Aida Pupo, 45, encolhida em um canto da mansão avermelhada, se a riqueza dos seus vizinhos não a incomodava. Ela disse que mora com pessoas de três gerações da sua família. Mas não se importa. "Tem gente com muito, tem gente com nada", disse. "É apenas um sinal dos tempos." Ela acha improvável que a disparidade de renda algum dia volte a ser tão ruim quanto era antes da revolução, porque o governo não permitiria, disse.

Membros da elite revolucionária estão claramente se beneficiando, com investimentos em restaurantes e casas. Os novos-ricos também estão pelo menos um pouco satisfeitos. O mais surpreendente é descobrir que aqueles que estão mais para baixo estão focando o lado positivo. Como me disse um acadêmico cubano, "eles têm aspirações que nunca costumaram ter".

Os que estão mais para cima, no entanto, não gostam de falar em como chegaram lá. A vizinha de Pupo me ofereceu café, mas se recusou a ser entrevistada.

Num prédio do mesmo quarteirão, um jovem ativista disse que os beneficiados estão apenas tentando proteger o que possuem. "Estamos em uma transição, mas não para a democracia", afirmou, observando que o governo se tornou apenas ligeiramente menos restritivo. "É uma transição do totalitarismo para o autoritarismo."

Em Miramar, subúrbio onde fica a maioria das embaixadas, parei numa revenda de carros usados. Um Volkswagen Passat 2010 por US$ 67,5 mil? Um Toyota Corolla 2006 por US$ 40 mil?

Uma nova lei que autoriza os cubanos a comprarem carros havia entrado em vigor semanas antes. Os cubanos ficaram animados, até verem o preço. O governo disse que os carros foram fortemente tributados para redistribuir o dinheiro dos ricos. A resposta de Cuba à desigualdade é desconjuntada em parte porque o país está às voltas com o tipo de igualdade que realmente deseja.

"A igualdade de oportunidades está na verdade se ampliando hoje em Cuba, mas os cubanos, na revolução, não falavam em igualdade de oportunidades", disse Richard Feinberg, professor de assuntos internacionais da Universidade da Califórnia, San Diego. "Eles falavam em igualdade de resultados, que as pessoas deveriam ter mais ou menos a mesma renda e o mesmo padrão de vida. Essa igualdade de resultados está sendo solapada."

Serão esses jovens com patins e celulares um sinal da igualdade que Cuba deseja, ou não? Os líderes não oferecem muita clareza.

Muitos cubanos mais velhos parecem perplexos. Em Miramar, uma artista de 90 anos me contou que todos os moradores do seu quarteirão foram embora nos últimos dois anos. A casa do seu vizinho está vazia porque a família se mudou para o exterior. Outra estava sendo reformada, e uma gente nova estava se mudando para o outro lado da rua. "É tudo tão" -franziu o nariz- "instável".

Isso parece refletir o sentimento de muitos cubanos hoje em dia. E, no entanto, Cuba ainda é Cuba. No Sangri-LA, junto com sinais de aumento da demanda por tudo o que for novo e reluzente, havia tantos gritos, abraços e fofocas quanto eu havia visto em incontáveis estabelecimentos estatais.

Os baladeiros não tentavam substituir a Cuba que conheciam. O mural da ponte do Brooklyn não queria dizer que eles desejam que Havana vire Nova York, e os clipes de Cristina Aguilera eram apenas uma distração.

Foi só quando o DJ passou a tocar salsa moderna -depois da 1h- que todos começaram a dançar. É claro que é um clichê enxergar Cuba apenas por intermédio da música, mas era mais do que isso. Como disse José Martí, escritor: "Tenho duas pátrias: Cuba e a noite. Ou são as duas uma só?".


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