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New York Times

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Brasil grandioso se desfaz

Por SIMON ROMERO

Paulistana, Piauí

O Brasil injetou bilhões de dólares na construção de uma ferrovia que atravessa terras áridas, mas o projeto totalmente atrasado hoje atrai ladrões de metal.

Novos prédios públicos curvilíneos projetados pelo famoso arquiteto Oscar Niemeyer foram abandonados logo após a construção.

Houve até um malfadado museu de extraterrestres criado com verbas federais.

Hoje, seu esqueleto, em Varginha, Minas Gerais, parece um navio perdido em meio a ervas daninhas.

O Brasil acumula uma lista de atrasos, alguns causados por acidentes fatais em obras e orçamentos estourados.

O país está montando sistemas de ônibus e trens para os espectadores, mas eles só ficarão prontos bem depois do término da Copa.

Os projetos para a Copa do Mundo, porém, são apenas parte de um problema maior que atrapalha as ambições do Brasil: diversos projetos faraônicos concebidos quando o crescimento econômico era pujante, mas que hoje estão abandonados ou suspensos, ou com preços muito acima do orçamento inicial. As construções visavam simbolizar a ascensão aparentemente inexorável do Brasil.

Mas agora que o país vive uma ressaca, tais projetos expõem seus líderes a críticas intimidadoras. Alguns economistas dizem que essas obras revelam uma burocracia paralisante, a alocação irresponsável de recursos e bastiões de corrupção.

Há protestos nas ruas contra os novos estádios caríssimos em construção em cidades como Manaus e Brasília, que evidentemente terão pouca utilidade após o término da Copa do Mundo, por escassez de torcedores. "Os fiascos se multiplicam e revelam uma desordem que, lamentavelmente, é sistêmica", disse Gil Castello Branco, diretor da ONG Contas Abertas, que examina orçamentos públicos. "Estamos acordando para a realidade de que recursos imensos são desperdiçados em projetos extravagantes, ao passo que nossas escolas públicas ainda são péssimas e falta saneamento básico em nossas ruas."

A lista crescente de projetos de desenvolvimento problemáticos inclui uma rede de canais de concreto de US$ 3,4 bilhões no sertão nordestino assolado pela seca, que deveria ter sido concluída em 2010. Além dessa rede, há dezenas de novos parques eólicos inativos devido à falta de linhas de transmissão e hotéis de luxo inacabados que estragam a paisagem urbana do Rio de Janeiro. Economistas consultados pelo Banco Central calculam que o crescimento do Brasil será de apenas 1,63% neste ano, uma queda radical em relação à taxa de 7,5% em 2010, o que torna 2014 o quarto ano de baixo crescimento.

O rebaixamento da classificação de crédito do Brasil pela agência Standard & Poor's, em março, foi motivado pelas estimativas de desaceleração econômica.

O fato de que haverá eleições este ano complica a situação do governo. Uma pesquisa de opinião no mês passado mostrou que o apoio à gestão da presidente Dilma Rousseff caiu de 43% em novembro passado para 36%, pois a economia continua apática.

Apoiadores de Rousseff afirmam que os gastos públicos têm ajudado a manter as taxas de desemprego em patamares tão baixos que chegam a ser históricos.

Luiz Inácio Lula da Silva, mentor político de Rousseff e seu antecessor na Presidência, colocou muitos projetos em andamento durante sua gestão, de 2003 a 2010. Em entrevista recente, ele afirmou que antes de seu governo o Brasil passara décadas sem investir em obras públicas, de modo que uma retomada era essencial. Mesmo assim, um coro crescente de críticos argumenta que a incapacidade de concluir grandes projetos de infraestrutura comprova a fraqueza do modelo de capitalismo estatal do Brasil.

Segundo eles, em primeiro lugar, empresas, bancos e fundos de pensão sob controle estatal têm muita influência e investem em projetos mal elaborados.

Depois, outros bastiões da burocracia pública entravam projetos por meio de auditorias e ações judiciais. "A verdade é que alguns empreendimentos jamais deveriam contar com dinheiro público", disse Sérgio Lazzarini, economista do Insper, uma escola superior de administração, economia e direito em São Paulo, apontando os milhões em financiamento estatal para a reforma do Hotel Glória no Rio, que até recentemente pertencia ao magnata Eike Batista.

A reforma não será concluída a tempo para a Copa do Mundo, pois o império de Batista ruiu no ano passado. "Para projetos de infraestrutura que merecem apoio estatal e o conseguem, ainda há a tarefa de lidar com os riscos criados pelo próprio Estado." A Transnordestina, uma ferrovia iniciada em 2006 no Nordeste do Brasil, ilustra algumas das dificuldades que rondam os projetos.

Com conclusão prevista para 2010 a um custo de cerca de US$ 1,8 bilhão, a ferrovia, que deveria se estender por mais de 1.600 quilômetros, agora deverá ter um custo de pelo menos US$ 3,2 bilhões. Autoridades dizem que ela será concluída por volta de 2016, porém, com os canteiros de obras abandonados devido a auditorias e outros reveses, até mesmo esse prazo parece otimista.

"Ladrões estão roubando metal nos canteiros de obras", disse o eletricista Adailton Vieira da Silva, 42, que trabalhou com milhares de operários até a paralisação da obra no ano passado. "Agora só há essas pontes no meio do nada." O ministro dos Transportes no Brasil, César Borges, mostrou-se desesperado com os atrasos na obra da ferrovia, que é necessária para escoar a soja até os portos.

Ele mencionou as fontes de burocracia que retardam os projetos: o Tribunal de Contas da União; a Controladoria-Geral da União; o Ibama; o Iphan; agências que protegem os direitos dos povos indígenas e dos quilombolas; e o Ministério Público. Lula, que supervisionou o início da obra da Transnordestina há oito anos, foi franco sobre o papel do Partido dos Trabalhadores (PT), que outrora era a oposição no Congresso, em relação aos atrasos. "Nós criamos uma máquina de supervisão que é a maior do mundo", disse. "Quando você está na oposição, quer criar entraves para os que estão na administração, mas esquece que um dia poderá estar no poder", concluiu.


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