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New York Times

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Em guerra contra dor, militar abre mão de drogas viciantes

Por BARRY MEIER

Em 3 de setembro de 2010, o caminhão blindado que o sargento Shane Savage comandava próximo a Kandahar, no Afeganistão, explodiu por causa de uma bomba no meio-fio. O impacto foi tão forte que seu capacete trincou. Seu pé esquerdo ficou preso no painel, esmagando 24 ossos. Savage voltou para casa oito dias depois, aos 27 anos, com ferimentos característicos dos conflitos no Iraque e no Afeganistão: concussão severa, estresse pós-traumático e dor crônica. Os médicos receitaram analgésicos narcóticos.

O que se seguiu foi um arco de abuso, dependência e desespero. A certa altura, Savage estava tão desesperado que foi ao banheiro e começou a engolir comprimidos de narcóticos. Teria morrido se sua mulher, Hilary, não tivesse arrombado a porta.

Hoje Savage está tentando lidar com a dor sem os narcóticos. Quando não está em serviço, brinca com as crianças, faz trabalho voluntário e, como parte de um programa terapêutico, monta a cavalo. A única droga que ele toma contra a dor é o Celebrex, medicamento não narcótico. "É preciso achar alternativas para desconectar o cérebro do processo mental de 'estou com dor'", disse.

A história de Savage ilustra o esforço para mudar a forma de tratamento da dor crônica. O uso de opioides -drogas como a hidrocodona, metadona e oxicodona- disparou na última década, depois de eles serem adotados pelos planos de saúde como uma solução eficaz e relativamente barata para um problema complexo, que frequentemente envolve fatores emocionais e psicológicos.

Mas, nos últimos anos, as vendas de opioides deixaram de crescer devido ao papel dessas drogas em 16 mil mortes anuais por overdose nos Estados Unidos. Além disso, um número crescente de especialistas reduziu de forma considerável ou suspendeu a prescrição de opioides por outra razão: a crença de que esses medicamentos levaram os médicos a se concentrarem no objetivo errado no tratamento da dor crônica.

Os opioides aliviam o desconforto do paciente por um tempo. Mas os medicamentos podem se tornar uma barreira contra a melhoria do paciente nos aspectos físico e social, objetivos que parecem cruciais no combate à dor crônica, segundo muitos especialistas. Como resultado, os médicos estão retomando estratégias que eram populares antes da era dos opioides, como fisioterapia, mudança de comportamento e aconselhamento psicológico.

Muitos programas para tratamento da dor agora usam medicamentos não opioides, inclusive alguns desenvolvidos para síndromes como a epilepsia, que também são eficazes no alívio da dor.

Atualmente, as maiores mudanças nos EUA estão acontecendo dentro da área militar e do Departamento para Assuntos dos Veteranos, organizações que foram criticadas por legisladores e outros setores por exagerarem na prescrição de opioides.

Há cinco anos, aproximadamente 80% dos soldados feridos que recebiam atendimento no Centro Médico Walter Reed do Exército, em Washington, eram tratados com opioides. Desde então, o índice despencou para 10%, segundo Christopher Spevak, médico do hospital e especialista em dor. "Com a diminuição da quantidade de opioides, a cura e a recuperação deles ficaram bem mais rápidas", disse Spevak.

Um estudo conduzido em 2008 pela Clínica Mayo, em Minnesota, revelou que pacientes que deixaram de tomar opioides e aderiram a um programa não baseado em drogas sentiram menos dor do que quando usavam opioides.

Durante três anos, Savage lutou para navegar por um nevoeiro entorpecido. Cirurgiões tentaram repetidamente juntar os ossos esmagados do seu pé, mas os procedimentos afinal não davam certo.

Então, em meados de 2013, sua filha mais velha, Jada, o confrontou. Disse não aguentar mais a pessoa na qual ele havia se transformado. Naquela noite, Savage decidiu deixar de consumir opioides e outras drogas fortes. Para sua surpresa, logo se sentiu melhor, não pior. "O analgésico podia me fazer sentir ótimo aqui, sabe?", disse, apontando para o peito. "Mas não me ajudava em nada."

Quando ele ouviu falar do hospital do Departamento para Assuntos dos Veteranos em Tampa, na Flórida, que coordena um tratamento multidisciplinar para a dor, foi até lá e se internou por três semanas. De volta para casa, criou seu próprio plano de recuperação, como voluntário em grupos que auxiliam soldados a lidar com dores e traumas. Também começou um programa terapêutico no qual cavalos são usados para ajudar militares feridos a reconquistarem o autocontrole e a confiança.

Em janeiro, Savage foi submetido a outra cirurgia no pé, que também não deu certo. Agora ele planeja uma amputação. "Serei capaz de correr pela rua atrás das minhas filhas? Não sei", disse. "Mas, sabe de uma coisa? Posso pegar uma bicicleta e acompanhá-las."


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