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New York Times

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Inteligência - Okey Ndibe

A Nigéria à beira do abismo

Em 20 de julho, um liberiano com cidadania americana chamado Patrick Sawyer passou mal logo após desembarcar no Aeroporto Internacional de Lagos, principal centro comercial da Nigéria.

Morreu cinco dias depois de ter levado o vírus do ebola ao país. Desde então, a doença já matou pelo menos sete nigerianos.

De certo modo, a resposta ao surto reflete o que há de pior na Nigéria. Apesar de estar próximo do epicentro da epidemia, as autoridades locais não tinham praticamente nada preparado para a chegada do ebola.

Mas a população se adaptou rapidamente, com uma atitude impressionante: muita gente parou de trocar apertos de mãos. Isso pode parecer pouco para quem é de fora, mas é significativo na Nigéria. E se torna um símbolo para enfrentar males que estão enraizados de modo profundo na cultura nigeriana.

Chamada com frequência de gigante adormecido da África, a Nigéria é o país mais populoso e dinâmico do continente.

Autor do termo Bric, o economista britânico Jim O'Neill chamou a atenção para isso este ano ao definir os países Mint -México, Indonésia, Nigéria e Turquia- como as mais novas potências emergentes do mundo.

Se as nações Mint "realizarem seu potencial, elas também poderiam mudar o mundo", disse O'Neill em um programa da BBC.

Esse é um grande "se" em relação à Nigéria, país de grande diversidade cultural e 170 milhões de pessoas. Desde 1960, quando os nigerianos se tornaram independentes, o país tem sido uma presença perene na lista das potências emergentes.

Mas, por causa da praga da corrupção e de autoridades sem visão pública, que se medem pelo tamanho de sua pilhagem, a Nigéria vem persistentemente fracassando na realização de seu potencial.

Há algum motivo para acreditar que a Nigéria finalmente superará seu caminho de autodestruição? A resposta é um sim, mas com grandes ressalvas. No começo de abril, a Nigéria superou a África do Sul como maior economia da África. O motivo é tipicamente nigeriano: há mais de 20 anos os estatísticos do país usavam dados obsoletos para calcular o produto interno bruto.

Uma explicação é que o governo nigeriano, ávido em pressionar pela redução da dívida, quando não pelo seu perdão, não tinha pressa em alardear a estatura econômica da nação.

Com a atualização, o PIB pulou de US$ 264 bilhões (R$ 620 bilhões) para US$ 453 bilhões (R$ 1,06 bilhão) em 2012.

Ainda assim, o país se mantém em um lugar familiar -promissor, mas precário. Seu PIB per capita, de US$ 2.688 (R$ 6.316), ainda está bem atrás do sul-africano, de US$ 7.508 (R$ 17.644).

Uma implicação clara disso: a vasta maioria dos nigerianos está à margem dos benefícios sociais do crescimento econômico.

O setor privado se expandiu, especialmente o de comunicação, mas o crescimento só consegue avançar até o ponto em que é atravancado pela ineficiência, por gargalos e pela corrupção no Estado.

Nenhum governo na Nigéria foi capaz de solucionar os problemas elétricos do país. "Se o governo conseguisse pelo menos resolver o problema dos incessantes apagões, o setor privado seria capaz de produzir riqueza suficiente para transformar profundamente a Nigéria", disse Okwy Okeke, um empresário que estudou nos Estados Unidos.

Infelizmente, a sensata iniciativa de privatizar o setor elétrico permanece empacada e inviabilizada por considerações políticas.

O presidente Goodluck Jonathan parece satisfeito em fazer o mínimo possível contra a velha praga da corrupção. O senso comum da política nigeriana dita que a melhor forma de manter os promotores anticorrupção à distância é demonstrar com arroubo a afeição pelo presidente.

Há desastres provocados pelo homem além da corrupção e do mau governo. O grupo radical islâmico Boko Haram, que transformou o nordeste do país em uma área anárquica, é sem dúvida um inimigo terrível do avanço da Nigéria. E agora há o ebola.

A ausência de informações rápidas sobre a doença causou pânico geral e fomentou superstições perigosas, sendo que uma delas é a de que a noz-de-cola e outras nozes poderiam curar o vírus. De um dia para o outro, explodiu os preços dos produtos, que os nigerianos têm o hábito de mascar.

Muitos nigerianos crédulos enviaram frenéticas mensagens de texto para parentes nas cidades dizendo que tomar banho com água salgada e beber água com muito sal são antídotos contra o vírus. Pastores anunciaram que poderiam curar pacientes aflitos.

Esse tipo de superstição está entranhada na cultura nigeriana, como abraços e apertos de mão. Os nigerianos são apertadores de mãos compulsivos. E não apenas em eventos formais, mas no cotidiano, apertar as mãos é algo que se repete. O ritual é mais essencial do que o beijinho que se dá no rosto na França.

À medida que o medo do ebola se tornou contagioso, muitos nigerianos aprenderam a se virar com acenos de cabeça e de mãos.

Se os nigerianos entendem que é de seu próprio interesse abandonar algo tão arraigado como o aperto de mãos, poderia haver a esperança de que eles desenvolvam uma intolerância coletiva ao vírus social letal da corrupção? Se assim fosse, o país daria um grande passo para cumprir o potencial que os economistas há tanto tempo observam.


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