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Inteligência - Norihiro Kato

Política do Tea Party japonês

Tóquio

Em 3 de setembro, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, reformou seu gabinete pela primeira vez desde que assumiu o cargo, no final de 2012. Decidido a mostrar que é progressista sobre as questões das mulheres, ele nomeou cinco novas ministras, igualando o recorde do ex-primeiro-ministro Junichiro Koizumi.

A mídia estrangeira parece ter ficado impressionada com o gesto. Mas os veículos japoneses estavam mais interessados nos ganhos de outro grupo: 15 dos 19 membros do novo gabinete japonês pertencem ao Nippon Kaigi, ou "Conferência Japonesa", um grupo de direita nacionalista que era praticamente desconhecido até pouco tempo atrás.

Um relatório do Congresso dos Estados Unidos do início deste ano mencionou o Nippon Kaigi como uma de várias organizações com as quais Abe tem ligações e que acreditam que "o Japão deve ser aplaudido por livrar grande parte do Extremo Oriente das potências coloniais ocidentais, que os tribunais dos crimes de guerra de Tóquio em 1946-1948 foram ilegítimos e que as mortes pelas tropas imperiais japonesas durante o massacre de Nanquim em 1937 foram exageradas ou inventadas".

Esse é um discurso padrão no perigoso novo nacionalismo radical japonês. O mesmo vale para os objetivos do Nippon Kaigi.

Em sua página na web, o grupo pede a preservação do "lindo caráter nacional tradicional" do Japão, que se concentra na família imperial; a adoção de "uma nova Constituição adequada a uma nova era", que supostamente permitiria que o Japão mantivesse forças militares completas; e a instigação do patriotismo e da moral nas instituições escolares japonesas, revisando nosso currículo histórico "masoquista" e "a disseminação acelerada da educação livre de gêneros". O grupo também se opõe resolutamente à ideia de que uma mulher possa ser imperatriz -apesar de ter havido imperatrizes no passado- ou a permitir que as mulheres usem seus nomes de solteiras depois de casadas.

O Nippon Kaigi começou a chamar a atenção no final deste verão. O jornal "Tokyo Shimbun" relatou que dois políticos locais que foram criticados por comentários sexistas ou absurdos pertenciam ao grupo radical, e notou seu tamanho e seu alcance.

E o "Asahi Shimbun" noticiou que políticos locais de todo o país que são afiliados ao Nippon Kaigi estavam tentando incitar um movimento popular para eliminar a chamada "cláusula da paz" da Constituição japonesa.

Com a recente reformulação do gabinete de Abe, os japoneses estão percebendo que um grupo de que não se ouvia falar há um mês e meio está ajudando a moldar a política nacional.

O Nippon Kaigi tem cerca de 35 mil membros pagantes. De acordo com seus valores, os homens pagam 10 mil ienes por ano (R$ 232) e as mulheres, a metade. O grupo tem mais de 250 escritórios em todo o território japonês.

Segundo o "Asahi Shimbun", o grupo de discussão do Nippon Kaigi na Dieta tem 289 membros, na maioria conservadores do Partido Liberal Democrata (PLD) - cerca de 40% do Parlamento.

Revisar a Constituição exige uma maioria de dois terços (mais uma maioria simples em um referendo posterior), mas provavelmente ela já existe se acrescentarmos ao grupo de discussão Nippon Kaigi os outros políticos a favor da revisão no PLD e em outros partidos. E é claro que o Nippon Kaigi tem um amigo poderoso em Abe.

Reportagens recentes sobre o Nippon Kaigi o descrevem simplesmente como a maior organização de direita do Japão. Na realidade, parece uma versão japonesa do Tea Party, ala do Partido Republicano dos Estados Unidos.

Como o Tea Party, ele é um produto das profundas ansiedades conservadoras sobre o futuro.

O Nippon Kaigi surgiu em 1997, alguns anos depois que o PLD perdeu a capacidade de governar por conta própria e começou a formar governos de coalizão, e se expandiu depois da breve ascensão ao poder do Partido Democrático, de centro, em 2009.

Tanto o Nippon Kaigi como o Tea Party se chamam de movimentos "de base" que representam os valores "tradicionais" do "povo". Um dos slogans do Tea Party é "Recuperar a América", e na última eleição parlamentar um dos lemas do Nippon Kaigi foi "Recuperar o Japão".

Mas de quem exatamente Abe, o PLD e o Nippon Kaigi querem recuperar o Japão? Diferentemente do Tea Party, que não poderia ser mais explícito em sua rejeição ao presidente Barack Obama e à esquerda americana, esses conservadores japoneses têm sido contrários a se revelar e dizer exatamente a que se opõem.

Sua vaguidão me faz lembrar o título de um livro que o político conservador (e autoridade do Nippon Kaigi) publicou em inglês em 1991: "The Japan That Can Say No" [O Japão que sabe dizer não].

Na época, Ishihara afirmava que o Japão tinha de enfrentar os EUA. Mais tarde ele redirecionou sua frustração sobre a aparente incapacidade do Japão de fazer isso em uma famosa polêmica entre Japão e China.

O Nippon Kaigi e o PLD, que o grupo está rapidamente reivindicando como seu próprio partido, também estão adotando posições provocativas em relação a alguns vizinhos do Japão.

Eles defendem vigorosamente a reivindicação japonesa sobre as ilhas Senkaku/Diaoyu, que a China também reivindica, e negam que durante a Segunda Guerra Mundial os japoneses forçaram mulheres à escravidão sexual.

Ultimamente, porém, essas posições são apenas substitutas. A verdadeira questão é esta: o profundo sentimento, compartilhado por japoneses de muitas outras correntes políticas, de que o Japão do pós-guerra nunca esteve em pé de igualdade com os EUA.

Por enquanto, o Tea Party do Japão parece qualquer outro grupo de direita nacionalista. Mas sua força está crescendo. E não há como saber quando seus membros poderão começar a dizer o que realmente está em suas cabeças: "Recuperar o Japão dos EUA".

Norihiro Kato é um crítico literário e professor emérito da Universidade Waseda, em Tóquio. Envie comentários para intelligence@nytimes.com


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