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New York Times

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Reaprender o básico

Após perder o braço, marine aprende a aceitar e a dominar membro mecânico

TODD HEISLER/THE NEW YORK TIMES

Por JAMES DAO

San Antonio, Texas

Após a explosão, o cabo Sebastian Gallegos, do Corpo de Marines dos EUA, despertou e viu o Sol de outubro reluzindo através da água. Era uma imagem tão agradável que ele achou que estivesse sonhando. Então algo chamou sua atenção: um braço, balançando perto da superfície, com um elástico de cabelo em torno do pulso.

O elástico era uma lembrança da sua esposa, um amuleto barato que ele usava em todas as patrulhas no Afeganistão. Agora, nas profundezas da sua névoa mental, ele o via flutuar como um tronco à deriva numa corrente preguiçosa, junto a um braço que não estava mais propriamente ligado a si.

Ele havia sido explodido e estava se afogando no fundo de uma vala de irrigação.

Dois anos depois, o cabo se vê atado a outro tipo de membro: um equipamento robótico de US$ 110 mil com um motor eletrônico e sensores capazes de lerem sinais do seu cérebro. Ele está no consultório da terapeuta ocupacional, levantando e abaixando uma esponja, enquanto monitora pela tela de computador os sinais nervosos do seu ombro.

Feche a mão, erga o cotovelo, diz para si mesmo. O braço mecânico se levanta, mas a mão, igual a uma garra, se abre, derrubando a esponja. Tente de novo, instrui a terapeuta. Mesmo resultado. De novo. Pequenas engrenagens zunem, e a sobrancelha dele se franze com o esforço mental. O cotovelo se ergue, só que desta vez a mão fica fechada. Ele respira.

Sucesso.

"Como um bebê, dá para segurar em um dedo", diz o cabo. "Preciso reaprender."

Não é pouca coisa. Dos mais de 1.570 militares americanos que tiveram braços, pernas, pés ou mãos amputados por causa de lesões no Afeganistão ou Iraque, menos de 280 perderam os membros superiores. Suas dificuldades para usar próteses são, sob muitos aspectos, bem maiores das de quem perdeu membros inferiores.

Entre os ortopedistas, há um ditado: as pernas são mais fortes, mas os braços e mãos são mais inteligentes. Com uma miríade de ossos, articulações e amplitude de movimentos, os membros superiores estão entre as ferramentas mais complexas do corpo.

Replicar suas ações com braços robóticos é extremamente difícil, exigindo que os amputados entendam as distintas contrações musculares envolvidas em movimentos antes naturais.

Para dobrar o cotovelo, por exemplo, é preciso pensar em contrair o bíceps, embora o músculo não exista mais. Mas o pensamento ainda envia um sinal nervoso que pode mandar o braço protético se flexionar. Cada ação exige um exercício cerebral desse tipo.

"Há muita ginástica mental nas próteses dos membros superiores", disse Lisa Smurr Walters, terapeuta ocupacional que trabalha com o cabo Gallegos no Centro Médico do Exército Brooke, em San Antonio.

As próteses para pernas avançaram rapidamente na última década, mas as de braço não acompanharam a evolução. Os braços eletrônicos mais comuns, desenvolvidos na década de 1950 na União Soviética, melhoraram com materiais mais leves e microprocessadores, mas ainda são difíceis de controlar.

Amputados dos membros superiores precisam lidar também com a perda do tato -da capacidade de diferenciar uma lixa de pele de um bebê, ou de calibrar-se entre agarrar um martelo e apertar uma mão.

Por todas essas razões, quase metade dos amputados de membros superiores dispensa as próteses, limitando-se a usar o braço bom. Já entre os amputados de membros inferiores, quase todos usam próteses.

Gallegos, 23, é parte de uma pequena vanguarda de militares amputados que estão se beneficiando de novos avanços na tecnologia para os membros superiores. Neste ano, ele passou por uma pioneira cirurgia conhecida como reenervação muscular dirigida, que amplifica os pequenos sinais nervosos que controlam o braço.

A cirurgia cria "soquetes" adicionais nos quais os eletrodos de um membro protético podem se conectar. "Mais soquetes lendo sinais mais fortes tornam o controle da prótese mais intuitivo", disse Todd Kuiken, do Instituto de Reabilitação de Chicago, que desenvolveu o procedimento.

Em vez de precisar pensar em contrair o tríceps e o bíceps só para cerrar um punho, o cabo poderá pensar simplesmente, e os nervos adequados deverão se acionar automaticamente.

Gallegos notou a diferença quase imediatamente. Ele não precisava mais pensar tanto em contrair vários músculos e conseguia mexer o braço mais rápida e fluidamente. Isso não significou, no entanto, que ele se comportasse como desejava. Ele continuava tendo problemas de "linha cruzada", em que certos nervos predominavam sobre outros.

Se um nervo do pulso for dominante, por exemplo, o paciente pode precisar pensar em dobrar o pulso para fechar a mão. Com o uso repetido, os nervos se desembaralham, e o truque se torna desnecessário, segundo Kuiken.

Apesar de todos os avanços com a prótese, Gallegos não superou a vergonha de usar o braço robótico em público. Ele não vai a restaurantes usando mangas curtas.

Durante um ano após o quase afogamento, Gallegos não podia chegar perto da água, qualquer água. Mas um terapeuta o estimulou a superar a ansiedade, primeiro nadando, depois remando e surfando.

Ben Kvanli, ex-atleta olímpico que dirige um programa de canoagem para soldados com deficiências, disse que Gallegos foi, no início, um remador ambíguo. Mas sua técnica era boa e ele era rápido.

Tão rápido que Kvanli o está incentivando a tentar vaga na equipe paraolímpica nacional no ano que vem. "A independência é uma parte importante disso", disse Kvanli.

Gallegos sofreu por perder a independência depois de perder seu braço. De repente, ele precisava pedir ajuda com botões, zíperes e cadarços. Ele ainda faz careta quando lembra que berrou ordens para sua mulher, Tracie, enquanto ela montava um móvel para a sala. "Ainda estou descobrindo qual será o meu futuro, só que na base do dia a dia.",

Por isso, ele não faz mais grandes planos para o futuro, como antigamente. "Mantenha-se simples", diz para si, "saia do Corpo de Marines. Vá para a faculdade. Aprenda a amarrar seus cadarços com uma mão robótica. E talvez, só talvez, torne-se um atleta paraolímpico".


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