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Ensaio - Alessandra Stanley

Telenovelas indianas mostram o poder das sogras no país

MUMBAI, Índia - Na televisão indiana, as sogras não são uma piada. Elas são a lei.

As telenovelas dominam o horário nobre da TV, e a sogra é a figura dominante em quase todas as tramas. Por mais corajosa que seja a heroína ou por mais complexa que seja uma história, todo romance leva ao casamento e aos muitos parentes que o acompanham.

A família extensa é o alicerce da sociedade indiana. As telenovelas no país podem ser esdrúxulas, mas trazem elementos prosaicos, como expressões de dever, deferência e obrigação para com os pais.

A televisão é um meio de comunicação relativamente jovem que está se esforçando para se adaptar a um público enorme que respeita a tradição e vê mudanças com desconfiança.

Como muitas noivas indianas, a televisão aqui testa os limites, mas, na maioria dos casos, encontra seu caminho obedecendo às normas.

Para pessoas de fora, essas normas podem parecer confusas: a Índia é um país onde o aborto provocado de fetos do sexo feminino pode ser tema de uma telenovela, mas cenas de namoro casual são tabu. Aqui, é a sogra quem dá as ordens e define o ritmo das transformações.

Zapear entre canais após as 20h é como assistir a uma sequência de cenas de paixão com muito cor-de-rosa choque, lágrimas e, de quando em quando, um tapa retumbante na cara de algum personagem. Em "Somos a Luz e a Lâmpada", uma das novelas de maior audiência do país, a doce Sandhya sonha em se tornar funcionária pública. Seu marido, um humilde dono de uma loja de doces, é a favor do plano. Mas há um obstáculo: a sogra de Sandhya é radicalmente contra a ideia.

A trama básica de "Menina Casada" é sobre uma esposa menor de idade. Mais chocante do que isso é o fato de que, em um dos capítulos, os sogros da jovem heroína a aceitam como sua própria filha e a incentivam a abandonar seu marido mulherengo e a buscar um casamento melhor.

Pode ser uma fantasia, mas a interferência matriarcal faz parte do casamento à indiana. Quando as indianas discutem a necessidade de "se ajustar" ao matrimônio, não se referem apenas à adaptação ao marido. Elas aludem ao fato de irem viver com os pais, os avôs e os irmãos dele, costume que ainda é a regra, mesmo nas famílias prósperas.

Num país com 1,2 bilhão de habitantes, cerca de 148 milhões de famílias possuem televisão. Esse número representa até 600 milhões de telespectadores. Nas favelas de Mumbai, até as áreas sem água corrente contam com antenas parabólicas. Em quase todos os lugares, os indianos reúnem-se diante do televisor da família, com a sogra manejando o controle remoto.

"As mulheres gostam de ver suas personagens favoritas exprimindo seus próprios sentimentos, de modo que a sogra identifica-se com a sogra na novela, e a nora com a nora da novela", diz Ekta Kapoor, 37. Produtora de cinema e de televisão, Kapoor escreveu cinco das novelas hoje em exibição. Ela virou a rainha das novelas indianas com a trama "A Sogra Também Já Foi Nora", um dos maiores sucessos de todos os tempos da televisão indiana. A novela foi exibida de 2000 a 2008.

A sociedade indiana dá preferência aos homens, e a mulher entra para a família do marido no degrau mais baixo da hierarquia familiar, sendo frequentemente relegada aos trabalhos mais pesados da cozinha, enquanto sua sogra manda nos netos.

As estruturas e tensões familiares nas telenovelas espelham as do público, com uma diferença gritante. Em muitas novelas, os anseios e as traições acontecem em mansões de mármore. As mulheres vestem trajes de seda e muitas joias, numa fantasia de riqueza que vem tornando-se ainda mais sedutora desde a ascensão da classe bilionária no país.

A dinâmica social, por outro lado, pende mais para a vida de classe média nas cidades superpovoadas de Mumbai ou Nova Déli. Mesmo em mansões enormes, todos os membros das famílias ficam reunidos.

A cena clássica de uma telenovela indiana tem dois personagens que estão em desacordo. Um deles diz alguma coisa chocante ou dá um tapa no rosto de seu antagonista, e a câmera afasta-se lentamente para mostrar um círculo de homens e mulheres congelados em horror e consternação, enquanto ouvem-se os acordes de música dramática.

A privacidade não é algo muito valorizado, mesmo numa novela.

A paisagem televisiva é igualmente densa. Há centenas de canais. A televisão é um setor que movimenta mais dinheiro que Bollywood e a internet ainda não afasta os jovens da TV. A MTV está presente no país, como também programas como "Qual é o Problema dos Homens Indianos?", voltado ao público jovem. Nele, duas jovens percorrem a Índia e fazem entrevistas ousadas com homens locais.

Mas há dezenas de telenovelas no ar. Invertendo a lógica econômica da televisão americana, custa menos produzir novelas do que programas de entretenimento. Na hora da televisão em família, problemas sociais delicados como o divórcio ou o suicídio são filtrados por um véu espesso de histórias sentimentais de amor e de namoro.

O número de indianas que permanecem solteiras e se dedicam ao trabalho vem crescendo no país. O número de representações desse grupo aumentou nas comédias românticas de Bollywood, mas a televisão comercial ainda não está preparada para celebrar a independência das mulheres.

"Um 'Friends' indiano não funcionaria aqui", comentou Sneha Rajani, executiva sênior da Sony, aludindo à comédia americana sobre um grupo de amigos que vivem em Nova York. "A unidade familiar é essencial para o sucesso de uma novela."

Os executivos das redes de TV indianas em Mumbai assistem a outros seriados americanos, como "Homeland", um seriado de ação protagonizado por uma agente da CIA. Eles dizem que gostariam de criar programas de nicho comparáveis a esse. No momento, contudo, o público para esses programas seria pequeno demais, segundo eles.

Mesmo assim, alguns produtores já estão dispostos a assumir o risco. Entre eles, destaca-se o astro de Bollywood Anil Kapoor, conhecido no Ocidente por ter atuado em "Quem Quer Ser um Milionário?". Kapoor comprou o direito de adaptação do seriado americano "24", sobre uma unidade americana de antiterrorismo, e pretende fazer o papel do superagente Jack Bauer. Kapoor representou um líder muçulmano moderado em "24".

Não serão apenas as sequências de ação "high-tech" de "24" que serão difíceis de adaptar. Conspirações governamentais e terrorismo islâmico são tópicos traiçoeiros num país em que a corrupção é ampla e as tensões entre hindus e muçulmanos são agudas. Raj Nayak, executivo-chefe da Colors, a rede responsável por "Menina Casada", que também se uniu a Kapoor, disse que a equipe criativa ainda não descobriu uma maneira de se desviar dos problemas políticos e religiosos. "É delicado", fala Nayak. "Temos que encontrar uma maneira de 'indianizar' a história, ao estilo de Bollywood."


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