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Opinião

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Marcelo Coutinho

TENDÊNCIAS/DEBATES

"Belle époque" nunca mais

Ainda não foi inventado nada melhor do que a democracia liberal. A disputa entre governo e oposição revela contradições e faz um país avançar

No início dos anos 1990, o cientista político Francis Fukuyama sentenciou o fim da história com a vitória das democracias de mercado sobre o socialismo. Hoje, pode-se dizer que ele estava errado pelas razões certas.

A crise global de 2008 revelou as fraquezas do mercado, e a ascensão da China "comunista" como novo polo de poder dá fôlego às inclinações autoritárias. Governos que vão da Venezuela bolivariana ao Irã dos aiatolás contestam o modelo de democracia ocidental.

O embate direita versus esquerda segue como dois boxeadores depois do último gongo. Eles continuam lutando não pelas razões iniciais, mas porque, com tantos golpes, aprenderam a se odiar. A ponto de frentes ditas "progressistas" na América Latina se identificarem mais com Ahmadinejad do que com Obama.

A disputa política no Brasil não se trava pelas razões ideológicas do passado. O capitalismo venceu. O PT também privatiza. Depois de ter sido o país que menos cresceu no mundo em 2012 fora da Europa, Dilma quer agora abrir os portos ao capital, como fez dom João 6º há 200 anos.

A discussão utópica hoje deixou de estar em torno das privatizações, anti-imperialismo, ou da importância ou não do capital estrangeiro, e sim em como aproveitar o mais eficiente sistema econômico que a humanidade já inventou. Dilma tem que se curvar a esse fato, ainda que de maneira tardia.

Dificilmente alguém de boa-fé e bem informado trocaria o mundo globalizado da atualidade por qualquer outro período histórico. A "belle époque" de cem anos atrás acabou nas piores guerras. Os anos dourados de 1950 conviviam com a Guerra Fria. Em 1962, na crise dos mísseis em Cuba, o mundo quase acabou em uma hecatombe nuclear.

Sem apologias também ao neoliberalismo. O Estado nacional está de volta à cena mundial porque a lógica de mercado desregulado simplesmente fracassou. O mundo precisa de mais instituições e não de menos.

Ao escrever sob forte influência da derrocada soviética, o erro de Fukuyama e outros foi acreditar que a história seria congelada. Estavam enganados, embora partissem do pressuposto correto de que não foi inventado ainda nada melhor do que as democracias liberais para lidar com o contraditório.

Nesse tipo de regime, há governo e oposição competindo. Os dois lados são valiosos. É a disputa entre diferentes que revela suas contradições e faz um país avançar. Os EUA venceram a União Soviética porque suas instituições democráticas geraram mais bens públicos por mais tempo.

Vale notar o caráter antidemocrático e conservador de censurar quem não quer se manter preso às ideologias das revoluções de 1848. Muitos podem entender que faz mais sentido hoje pensar na forma como o local se relaciona com o global do que em luta de classes. A própria sociedade brasileira dá sinais de cansaço de ouvir discursos demiúrgicos fáceis do tipo "Nunca antes na história desse país...".

Os que falam muito em elites contra o povo costumam estar entre as elites também, só que populistas e algumas até mesmo fascistas. Utilizam esse recurso linguístico para alcançar o poder ou mantê-lo, frequentemente com viés autoritário.

Quem controla a inflação criando e estabilizando uma moeda nacional não pode ser contra o povo. Ao contrário, porque com inflação quem perde é o mais pobre. Vale a pena desconfiar de quem contabiliza quantas vezes faz uso de palavras como povo e pobreza no lugar de encontrar maneiras de fazer com que as pessoas dependam menos de bolsas.

Acabar com a miséria é ótimo. Ninguém pode ser contra isso. A existência de pobreza extrema é uma das explicações para a permanência de conflitos sociais. No entanto, já sabemos que não é possível acabar de maneira duradoura com a chaga da miséria sem democracia e sem mercado.

Um país avança só ao longo de diferentes governos, de diferentes partidos, alternando-se de maneira madura. A história não tem fim, e o seu começo não é o do último governo.


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