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Egito intransigente
Três meses após o golpe militar que depôs Mohammed Mursi, presidente do Egito e um dos líderes da Irmandade Muçulmana, nada indica que o governo de transição esteja interessado em devolver a ordem democrática ao país.
Instaurado no poder após insatisfação popular com o fracasso na economia e a insistência de Mursi em uma agenda sectária, o regime interino tem promovido rotineiros ataques contra os críticos.
Novos enfrentamentos de grandes proporções ocorreram domingo e segunda, acrescentando 57 nomes --todos de apoiadores do ex-presidente, hoje detido em local desconhecido-- à lista de mais de 1.200 mortos até aqui. Tamanha violência contra opositores não condiz com aspirações de restabelecer a rotina democrática até meados do ano que vem.
Está suspensa a Constituição do país, escrita sob Mursi --vale lembrar, primeiro presidente democraticamente eleito no Egito. A comissão encarregada de produzir uma nova versão não tem representantes da Irmandade --organização fundada em 1928 e dotada de ampla representatividade popular.
Some-se a isso a recente tentativa de tornar ilegal a existência desse grupo. O governo interino decidiu nesta semana retirar a Irmandade do registro de organizações não governamentais do país.
A medida, que ainda depende de chancela judicial, seria justificada por infrações às leis egípcias, como o uso de armas e o desenvolvimento de atividades políticas por integrantes da associação. Em novembro, Mursi e 14 líderes da Irmandade também serão julgados por acusações de homicídio.
Se corroborada a exclusão da vida política, a Irmandade Muçulmana passará à ilegalidade pela segunda vez na sua história. Em 1954, o regime militar chefiado por Gamal Abdel Nasser também banira a organização --mas ela seguiu ativa, de maneira clandestina.
Justificam-se, portanto, as desconfianças internacionais quanto aos caminhos tomados pelo Egito. Mesmo os Estados Unidos, que se mantiveram silentes em relação ao golpe, suspenderão o auxílio militar ao país. Trata-se de clara demonstração de discordância com os rumos da política local.
Não será tarefa trivial consolidar a democracia no Egito. Tanto a Irmandade Muçulmana quanto as Forças Armadas deram mostras de autoritarismo no poder.
Um bom primeiro passo seria a garantia, pelo governo interino, de que eleições legislativas amplas e livres serão de fato promovidas antes do fim do ano, conforme promessa feita em julho.