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Alegria papal

Primeiro documento escrito exclusivamente por Francisco sinaliza mudanças bastante modestas se comparadas ao comportamento do pontífice

Como qualquer texto religioso --a começar da própria Bíblia--, o documento papal divulgado nesta semana pode ser lido, e instrumentalizado, em muitas direções.

Primeiro texto a ter autoria exclusiva de Francisco, "Evangelii gaudium" ("Alegria do Evangelho") é uma "exortação apostólica", tendo na linguagem oficial um âmbito mais restrito do que a encíclica "Lumen Fidei", elaborada conjuntamente com Bento 16.

Dada essa circunstância, parece forte a tendência para classificá-lo como um documento decisivo e renovador, capaz de marcar uma inflexão nos rumos do Vaticano.

Todavia, os pontos principais da exortação dificilmente autorizam prognósticos de uma espetacular (e implausível) virada doutrinária.

Expressa-se mais uma vez clara condenação do aborto, assim como se repetem eloquentes críticas ao capitalismo, no mesmo espírito das já elaboradas por Bento 16 na encíclica "Caritas in Veritate".

De modo talvez inevitável, associou-se a Bento 16 a imagem de papa extremamente conservador; o estilo mais afável e modesto de Francisco induz a uma leitura "progressista" de suas enunciações.

O contexto, nesse caso, parece valer tanto quanto o próprio texto. Decidindo por manter-se num alojamento simples, usando sapatos comuns, carregando uma valise surrada, organizando a cerimônia pascal do "lava-pés" num abrigo de menores infratores, Francisco vai criando uma aura mais adequada ao lema da "opção preferencial pelos pobres" --que, doutrinariamente ao menos, seu antecessor tampouco deixou de endossar.

Tanto quanto a fidelidade a uma série de artigos de fé, o catolicismo contemporâneo tem enfatizado a importância do "testemunho", da prática, da atitude concreta como fundamentais na experiência religiosa, e nesse ponto parece haver uma diferença entre Bento 16 e Francisco bem mais nítida do que a análise dos textos poderia sugerir.

De qualquer modo, merece nota, no novo documento, a indicação de que a Igreja Católica deve evitar os riscos de uma excessiva centralização. Não foi suficientemente elaborado, segundo Francisco, um dos princípios do Concílio Vaticano 2º --que, na onda renovadora dos anos 1960, propunha conceder mais autoridade às conferências de bispos de cada país.

A rigidez hierárquica trouxe não poucos problemas ao catolicismo nos últimos tempos. Talvez esteja aí uma das origens de sua notória falta de transparência e autocrítica, bem como de certo ímpeto mais pronto para a condenação do que o acolhimento, mais tendente à fria arrogância das ortodoxias do que ao calor e à alegria evangélicos.

Não serão pequenos --e mal começam-- os esforços de Francisco se quiser retificar essa atitude.


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