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Henrique Meirelles
Nós não temos razão
Um dos mais importantes aspectos culturais de uma nação são os valores que prevalecem nos conflitos entre o interesse individual e o público. Exemplo simbólico é o julgamento no STF dos planos econômicos, que, à primeira vista, opõe bancos e poupadores. Bancos são credores da sociedade --e sempre há má vontade com eles. Mas, ao aprofundar a discussão, surgem implicações diferentes.
Se os bancos forem derrotados, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil (empresas públicas) terão que arcar com a maior parte do custo astronômico do processo, calculado em até R$ 180 bilhões. Já os bancos privados perderiam capacidade de emprestar por bom tempo, com impacto muito forte na economia, no emprego e na renda da população, como vimos nos EUA e na Europa.
Estamos, portanto, numa disputa entre o interesse público e o individual, que suscita a seguinte questão: estarei melhor ganhando parte de uma ação que pode quebrar o país, causar desemprego e reduzir a renda? A resposta é não. Ninguém tem o direito de quebrar o país, como já foi dito.
Há ainda a questão do mérito. O poupador teve prejuízo e deve ser ressarcido? Por todos os cálculos que vi, não. E é possível explicar isso de forma simples. No início do mês, num período de hiperinflação, um liquidificador custava R$ 100. Um cidadão depositou R$ 100 no dia primeiro para comprá-lo em 30 dias. Como a inflação era de 50% ao mês, no final daquele período o liquidificador custaria R$ 150. Mas, com o plano econômico veio o congelamento de preços, e o liquidificador, após um mês, seguiu a R$ 100.
O problema surgiu das regras de indexação da poupança. O correto seria pagar a correção do mês de acordo com a inflação do período, porém, como não existia a medição da inflação do mês corrente já no final do próprio mês, usava-se como referência a inflação do mês anterior. Como a inflação era de 50% antes do plano, a poupança, em tese, pagaria lucro de 50% ao poupador naquele mês, o que era insustentável. Os planos então determinaram que a poupança não pagasse a inflação anterior, mas a do mês corrente, que era zero.
Representantes dos poupadores argumentam que houve mudança arbitrária de regras. Houve, sim, mudança de regras, mas ela valeu para todos, não só para o poupador.
Na essência, essa é a situação em todos os planos. Todos os poupadores da época terão ganho relevante caso a decisão nos seja favorável. Por outro lado, as perdas do Tesouro Nacional e da economia poderiam desencadear a famosa tempestade perfeita temida por muitos.
Essa decisão terá um caráter mais profundo do que parece e pode marcar o Brasil por muitos anos.