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Vladimir Safatle

Ana Cristina C

Passaram-se 30 anos de sua morte até que Ana Cristina Cesar (1952-1983) tivesse uma edição completa de seus poemas.

Uma das mais vigorosas poetas da literatura nacional contemporânea precisou esperar incontáveis 30 anos para que, enfim, aparecesse "Poética" (Companhia das Letras), compilação organizada com esmero por Armando Freitas Filho com poemas publicados e espólio.

Tal compasso de espera demonstra a necessidade de maior atenção de nossas editoras para a poesia brasileira produzida a partir dos anos 70.

Não são poucos os livros importantes esgotados há décadas, assim como autores que há muito sumiram das prateleiras das livrarias. Neste último quesito, a situação de Ana Cristina Cesar era a mais aberrante.

Em sua vida curta, ela conseguiu produzir uma obra que aliava reflexão formal apurada e força expressiva para descrever situações-limites de desterro e de incomunicabilidade passional.

Sua poética do limite aparece na maneira muito própria de reconstruir o lugar da poesia, empurrando sua linguagem para o limite da prosa, do diário, da escrita epistolar; procurando encontrar lirismo no limite da linguagem ordinária com suas figuras gastas e sua urgência de falar sempre na primeira pessoa.

No entanto, como a mais recente crítica literária brasileira nos mostra, a força dessa recuperação singular da primeira pessoa vem do fato de a expressão subjetiva "se mostrar como uma forma de espelhar o esgotamento da linguagem lírica". O que não poderia ser diferente para alguém que conseguiu conservar, até o limite, o estranhamento adolescente diante do desejo e a raiva diante dos códigos do estilo (de ser e escrever).

Nesse sentido, a impressionante produção de Ana Cristina Cesar aos 15 e 16 anos revela muito da fonte de força de sua poesia. Força de quem irá procurar sempre a experiência do limite para, no fim, poder dizer, não sem ironia: "Por mais que se gaste sete vidas, a pressa do discurso começa a recontá-las".

A grande literatura, porém, aparece quando a matriz intencional-subjetiva acaba por encontrar-se com os impasses sociais de seu tempo. Não foi diferente com Ana Cristina Cesar. Sua poética é também a escrita de um tempo censurado, emudecido, traumatizado pela violência da palavra vazia que circula de mão em mão como se ainda tivesse algum valor e do silêncio imposto à palavra plena.

Essa escrita traumática é um belo documento de uma linguagem que registra a destruição da experiência em uma sociedade que parece se acostumar às ditaduras de toda ordem.


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