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Carlos Heitor Cony
Cena carioca dos anos 50
RIO DE JANEIRO - Trinta e cinco anos. Vivia com a mãe e a irmã, sustento de ambas. Repartia o que ganhava com as duas que não ganhavam nada. Dizia que "se aposentara", aposentadoria real, mas não completa. Eventualmente, quase por farra, e não por prazer ou necessidade, cometia uma reincidência.
Em criança, por acaso para ele, descobriu o prazer com um vizinho. Não se lembrava como ou de quem fora a iniciativa. Mais tarde, moço, outro vizinho, que trabalhava numa loja de decorações, convidou-o a uma festa.
Acompanhou-o até o apartamento, em Ipanema, onde se realizaria o casamento gay. Um deles vestia-se de noiva, era bonito. Apesar da unção com que enfrentava as bodas, a noiva reparou no rapaz que a olhava interessado. Sentiu-se mal ao possuir o rapaz de véu e grinalda.
Foi sustentado depois por um velho, aposentado dos Correios e Telégrafos, dono de umas casas no subúrbio. Ganhou de presente uma dessas casas. Deu-a à mãe e à irmã.
Traiu o amante com um gay famoso: o embaixador Carlos Filipe. O embaixador vivia numa corte de gays provindos do mundo teatral. Dançou de Salomé, despindo apenas dois véus --que não havia sete à mão.
--Esse rapaz promete!, pensou o embaixador.
O embaixador levou-o a uma festa em que estavam presentes os gays mais assumidos do país. Havia quadros vivos e, num deles, surgiram três cruzes, e nelas, seminus, três jovens atléticos. Havia ainda figurantes vestidos de freiras e padres. O Bom e o Mau ladrão fizeram sexo com as freiras.
Foi ao banheiro e vomitou. O embaixador o socorreu, limpou-lhe os beiços, enxugou-lhe a testa. O dono da festa aconselhou o embaixador:
--Você precisa tomar cuidado com esses meninos!
O embaixador percebeu que era o momento de mandar o rapaz embora da festa e de sua vida:
--Vá! Tome um táxi e suma daqui.