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Opinião

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Carlos Heitor Cony

O hino que falta

RIO DE JANEIRO - Fileto morava, naquele tempo, com um rapaz que tentava carreira no mesmo corpo de baile do Theatro Municipal, mas desanimara porque, apesar de muito se esforçar, tinha o corpo desajustado para o balé, um pouco gordo embaixo e muito fino em cima, a cara meio encaveirada, pálida, uma cabeleira negra e farta sempre descabelada.

Desistiu do Municipal, onde jamais faria carreira, mas insistiu na vocação artística e despertou a paixão de um primeiro violino da orquestra do mesmo Municipal, que se teria suicidado por amor a ele (o rapaz já estava vivendo com Fileto no Edifício São Borja). Do suicida herdou um violino meio esculhambado e inteiramente rachado, de procedência tão duvidosa que nem parecia ter procedência alguma.

Chamava-se Guedes, acho que Libânio Guedes. Ou qualquer coisa parecida com Libânio. Talvez Afrânio. Não importava. Fileto o chamava, na intimidade, de Da Rosa. Abreviação de "O Espectro da Rosa", balé que fizera a glória de Nijinski. Chamá-lo de Nijinski seria um exagero que nem a paixão de Fileto justificaria.

Apoderando-se do violino, Da Rosa começou a se apresentar na Cinelândia e conseguia alguns trocados. No inicio, ninguém dava importância, chegavam a xingar seu violino desafinado, que com o tempo ficou mais desafinado ainda. O cronista Rubem Braga, numa reportagem, para a revista "Manchete", classificou o violino de "abominável" e exigia que as autoridades tomassem uma providência contra o atentado que um notório vagabundo cometia diariamente contra um dos cartões-postais da então capital da República.

Mais tarde, vieram as manifestações do povo contra a ordem vigente, a truculência da polícia contra os manifestantes. Num desses corre-corres, Da Rosa perdeu seu violino, justo no momento em que estava aprendendo a tocar o hino nacional.


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