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Ruy Castro

Pichações com conteúdo

RIO DE JANEIRO - Em dois dias em São Paulo nesta semana, deu para perceber o que pode ser uma nova tendência em matéria de pichações. No lugar dos garranchos sem sentido, à altura da idade mental de quem os produz, e dos desenhos típicos de quem não teve lápis de cor em criança, os muros começam a ostentar frases elaboradas e com conteúdo político. Na verdade, vão além dos "Abaixo o Acordo MEC-Usaid" e "FMI = Fome e Miséria Internacional" que escrevíamos nas paredes do Rio em 1966.

Não sei identificar onde as vi --sempre de relance, a bordo de um táxi--, mas eis algumas. A primeira foi "Governos são para escravos. Homens livres se governam". Gostei, com ressalvas. Sou alérgico a governos e gostaria que eles sumissem, mas alguém tem de fazer o trabalho sujo, como cuidar dos buracos e esgotos. Uma variante geral a uma velha e surrada frase também apareceu de repente: "Abaixo a vida dura".

A velha e surrada frase mereceu de alguém um acréscimo dramaticamente ameaçador: "Abaixo a ditadura. O ventre que a gerou ainda é fecundo". Fez-me pensar naqueles bicharocos cheios de pernas com que Angeli caracteriza ditadores, torturadores e corruptos. Imaginei o dito ventre expelindo tentáculos, como os monstros com que sonham os nostálgicos de uma ditadura que só conheceram pela versão oficial.

Um pessimista, talvez impressionado com o grau de corrupção visível numa sociedade democrática --e somente nela-- e temendo que isso justifique uma volta dos que se apresentaram para "salvá-la" em 1964, arriscou: "Pedimos desculpas por esta democracia. A ditadura segue dentro de momentos".

E soube também da pichação na casa de um egresso do DOI-Codi cujo nome consta dos depoimentos de vários ex-presos políticos: "Aqui mora um torturador". Nesse caso, a pichação tem a força de uma sentença.


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