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Carlos Heitor Cony

Vozes de 1964

RIO DE JANEIRO - Em seu livro de memórias, JK conta que, em 1962, viajando de São Paulo para o Rio de carro, ia meditando sobre as dificuldades nacionais quando, ao passar por Aparecida, olhou o Santuário de Nossa Senhora e ouviu uma voz interior que, na ocasião, parecia a própria voz da padroeira nacional. A voz lhe pedia que salvasse o Brasil.

Moisés descolou a tábua das leis vendo e ouvindo o Senhor. Maomé recebeu delegação pessoal do Arcanjo Gabriel. Joana D'Arc também ouviu vozes que lhe pediam a salvação da França. Pulando do Sinai e de Orléans para a Rio-São Paulo, o general Mourão Filho também ouviu a voz da Virgem Aparecida incitando-o à salvação nacional.

Mas não foi só ele que ouviu vozes. Carlos Lacerda, na noite de 1961 em que recebeu de volta a mala que deixara no Palácio Alvorada (ele entendera que havia sido convidado por Jânio Quadros para ali pernoitar), de repente sentira no peito uma opressão, logo traduzida numa espécie de voz interior que lhe cobrava a salvação das instituições. Sozinho no carro em que deixara o palácio e se dirigia para um hotel, "vendo aquela arquitetura de futurologia, aquelas estátuas, aquelas luzes, e eu sozinho no automóvel", começou "a ter a sensação de que estava carregando o Brasil dentro do peito".

Também o marechal Odylio Denys, aí pelos inícios de 1962, sentiu no peito esse tipo de opressão cívica e, se não chegou a ouvir vozes, ouviu pelo menos a voz do dever que o obrigava a conspirar para que o Brasil não se tornasse comunista.

JK não podia supor que a Virgem Aparecida, de quem também era devoto, tivesse aquele grau de intimidade com Mourão Filho, de quem também, se não devoto, pelo menos era amigo. Ambos haviam nascido em Diamantina. De Lacerda, tal como daqueles frades espanhóis dos folhetins do século 19, ele sempre podia esperar as piores coisas.


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