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Ruy Castro

Calças e saias

RIO DE JANEIRO - Uma diarista, Ana Cristina Silva Torres, moradora de Rio das Pedras (RJ), está proibida de frequentar as aulas do ensino médio de um colégio local por se recusar a usar as calças compridas do uniforme, exigidas pela direção. Ana Cristina alega ser evangélica e que só se sente bem de saia. A escola não abre mão do seu padrão de uniforme e ameaça cancelar a matrícula da estudante.

Há uma curiosa inversão de valores quanto a essa peça de roupa na mulher. Até há menos de 50 anos, as saias eram o padrão e as calças compridas, a exceção. Mulheres não iam de calças compridas ao banco, ao escritório e muito menos à igreja. Elas lhes separavam as pernas, o que, por qualquer motivo, não parecia "decente". Veja algumas das mulheres mais bravas e decididas da história: a heroína Anita Garibaldi, a escritora Gertrude Stein, a cangaceira Maria Bonita, a gângster Bonnie Parker, a primeira-ministra Golda Meir. Estão de saia em todas as imagens que se conhecem delas.

Minhas colegas do primeiro ano de Ciências Sociais na antiga Faculdade Nacional de Filosofia, em 1967, no Rio, foram das primeiras a desafiar esse tabu --uma delas ia não só de calças compridas, como de macacão. E, se fossem de saia, é claro que se tratava de uma minissaia. Estavam também entre as primeiras no Brasil que puderam comprar pílulas anticoncepcionais sem receita médica.

Não quero entrar no mérito dessa questão entre a aluna e a escola de Rio das Pedras. O que me esmaga é que Ana Cristina, que tem 37 anos, foi analfabeta até os 31. Em criança, seu sonho era se formar e ganhar um diploma, mas seus pais não a deixaram estudar. Muito depois, já casada, aprendeu a ler e a escrever, e resolveu continuar para acompanhar os estudos de suas duas filhas.

É um sonho muito bonito para ser interrompido por uma querela tão ridícula quanto cruel.


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