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André Vainer e Marcelo Ferraz

Outra vez o Masp

A crise é sobretudo de credibilidade. Vemos uma contabilidade de números de visitantes usada como defesa diante da falta de ousadia

A crise por que passa o Masp (Museu de Arte de São Paulo) está relacionada ao desmonte sistemático de um projeto artístico e conceitual celebrado como uma revolução no mundo dos museus.

É também a falta de reconhecimento aos seus criadores. Após a saída do professor Pietro Maria Bardi da direção, o Masp vem erraticamente caminhando, ora com mostras "blockbusters", ora no lamento da falência financeira.

Mas sempre no sentido oposto aos ideais de seus criadores: Assis Chateaubriand, o "aventureiro" realizador, Pietro Maria Bardi, o talentoso caçador de obras-primas, e Lina Bo Bardi, a revolucionária arquiteta. Esses nomes vêm sendo apagados pouco a pouco, esquecidos.

A crise não pode ser tomada apenas no seu aspecto financeiro. Se fosse assim, uma boa campanha de arrecadação entre os associados a resolveria. No passado, o professor Bardi em vários momentos botou a mão no bolso para manter as portas do Masp abertas. Hoje, muitos querem ajudar, mas com o dinheiro público de renúncia fiscal, por meio da Lei Rouanet.

A crise do Masp é sobretudo de credibilidade. O museu se fechou para a sociedade artística e intelectual e para os produtores culturais. Daí a dificuldade no diálogo com município, Estado e União. Estes e mais algumas instituições como o Instituto Bardi, a USP e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) deveriam ter seu assento no conselho. Afinal, apesar de pertencer a uma sociedade privada, ninguém tem dúvida de sua natureza pública, enquanto patrimônio tombado.

Os princípios fundadores do museu estão na arquitetura de espaços livres, acessíveis e generosos, abrigo de criadores de vanguarda; centro cultural com uma das maiores coleções de arte do Ocidente. Qualidade, inteligência e ousadia guiaram seus criadores e dirigentes por décadas. Hoje, vemos uma contabilidade de números de visitantes usada como defesa diante da falta de ousadia. Lina costumava dizer: "Os supermercados também estão lotados. Isso é sucesso?".

São pontos altos do projeto o vão-livre e a museografia de cavaletes de concreto e vidro, que Lina chamava de "painéis didáticos de cristal". Tocar nesses temas desagrada a muitos, mas clarifica a falta de reconhecimento de seus criadores e o fechamento do museu em si mesmo.

O vão-livre, um ninho de aconchego urbano, de tempos em tempos é ameaçado. Mas isso nunca vingará: as reações contrárias são contundentes. Dois pisos acima, porém, o fechamento do museu está em marcha desde 1996, com a extinção da libertária museografia de Lina.

Pessoas com menos de 25 anos não conheceram a coleção de obras expostas como uma grande família. Ao contrário, o que se vê hoje é uma expografia mais afeita aos palacetes europeus, com salinhas e labirintos, fruto de visão colonizada. Mataram a grande sala de exposições. A proposta de Lina era a quebra total de modelos expositivos e, gostando ou não, não poderia desaparecer. Deveria ser guardada como experiência radical e única. Andamos para trás.

Neste ano, comemoramos o centenário de Lina. É uma oportunidade de recuperarmos sua museografia. Mais do que uma homenagem, seria um gesto de respeito aos frequentadores, que merecem conhecer esse ousado projeto em sua plenitude. E, quem sabe, um primeiro passo para o museu voltar a dialogar franca e abertamente com toda a sociedade.


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