Folha de S.Paulo

Ruy Castro

Doris aos 90

RIO DE JANEIRO - Uma lenda do cinema e da canção fez 90 anos: Doris Day. Está viva, ativa e, por fotos de uma festa em Carmel, na Califórnia, onde mora, continua com carinha de Doris Day --rugas, sardas e tudo. Nada de botox, boca de sapo ou bochechas de Topo Gigio. Bom saber que ela envelheceu assim. Confere com a absurda naturalidade com que representava e cantava --como se fosse fácil fazer o que fazia.

Por causa de Hitchcock, todos sabem que Doris estrelou "O Homem Que Sabia Demais" (1956). Mas seus melhores filmes pertencem só a ela: "Ama-me ou Esquece-me" (1954), "Um Pijama para Dois" (1957) e "Confidências à Meia-Noite" (1959). Sem falar em delicados musicais da Warner como "Rouxinol da Broadway" (1951), "No, No, Nanette" (1950) e o de sua estréia, "Romance em Alto Mar" (1948).

Os que só a enxergam pelas comédias com Rock Hudson se espantariam ao vê-la como a mulher ameaçada ou aterrorizada pelo marido em "A Teia de Renda Negra" (1960), "Julie" (1956) e o citado "Ama-me ou Esquece-me" --este, o musical mais pungente do cinema e a prova de que a única combinação de atriz dramática e cantora à altura de Doris Day seria Judy Garland.

Cantora? Em 1951 ou 52, João Gilberto respondeu a uma enquete num jornal do Rio. Melhor cantor: Frank Sinatra. Melhor cantora: Doris Day. Normal. E, tal como Sinatra, ela gravou todo o grande cancioneiro americano, em LPs como "Day by Day", "Day by Night", "Day Dreams", "Hooray for Hollywood", "Show Time", "Cuttin' Capers", muitos mais, e o insuperável "Duet", apenas voz e piano, ela e André Previn.

Doris fez seu último disco em 1967. Tinha voz para o resto da vida, mas sentiu a súbita hostilidade do mercado a cantoras como ela. Preferiu silenciar. Era injusto, mas entendemos, e compramos agulhas novas. Havia muito de Doris Day para escutar. Sempre haverá.