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Ruy Castro
"Protesto" de teatro
RIO DE JANEIRO - Apesar dos anos de treinamento no quartel e de exercícios de tiro ao alvo com milhares de disparos, fica combinado que, nos tiroteios entre polícia e bandidos nas favelas cariocas, qualquer bala que atinja alguém --idosos, mulheres, crianças ou mesmo policiais-- terá sido disparada pela polícia. São os policiais que, equipados com mira telescópica, acertam a cabeça das velhinhas na porta do barraco. Ou, apatetados como os das comédias de Buster Keaton, matam-se uns aos outros.
Supondo que os policiais sejam melhores atiradores do que os traficantes --se não forem, algo está errado--, não se entende que não saibam contra quem estão atirando. Os paisanos tombados nos combates, por exemplo, nunca pertencem às hostes do crime. São moradores a caminho da igreja ou rapazes em visita à avó. Como os bandidos não matam ninguém e também não estão entre os mortos, a violência no morro deve ser causada por uma guerra entre facções da polícia.
Tudo isso indica também um grave desperdício. Imagine o que não se investe em contingente, tempo e dinheiro na captura de traficantes carimbados --às vezes, com o sacrifício de inocentes-- para que eles sejam logo libertados por um juiz zeloso da "progressão da pena" ou da "falta de provas". Sem falar nos bem-comportados que saem para gozar o Natal em família, esquecem-se de voltar e retomam seus hábitos de ordenar execuções e atacar as UPPs. Donde, para que prendê-los?
Só se sabe que, com ou sem motivo e pelo menos uma vez por semana, um grupo de "moradores" --atenção às aspas-- sairá por alguma comunidade depredando postos de atendimento médico, agredindo enfermeiros, botando médicos para correr e destruindo benfeitorias a custo implantadas ali.
No passado, havia o teatro de protesto. Hoje, o "protesto" é um teatro.