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Chega de tortura
Brasil é destaque negativo em pesquisa internacional sobre o tema; avanços legislativos precisam ser acompanhados de investigações eficientes
"Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante." Foi com essa redação que, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos pretendia proteger qualquer cidadão da violência perpetrada por agentes do Estado.
Em 1984, a ONU elaborou a Convenção contra a Tortura --ratificada por 155 países, entre os quais o Brasil--, na tentativa de tornar mais eficaz o combate a esse crime.
Tais esforços normativos, infelizmente, mostram-se ainda hoje insuficientes. Esse é o panorama apresentado pelo estudo "A Tortura em 2014: 30 Anos de Promessas Não Cumpridas", encomendado pela Anistia Internacional e lançado na semana passada.
Somente nos últimos cinco anos, a organização não governamental denunciou a prática de tortura em 141 nações --Brasil incluído. Além disso, a entidade ouviu mais de 21 mil pessoas em 21 países e constatou que o medo de sofrer abusos após uma detenção continua presente em todos os continentes.
Ao todo, 44% dos entrevistados receiam ser torturados sob a custódia do Estado. O Brasil é o destaque negativo: nada menos que 80% da população manifesta esse temor. No México, em segundo lugar nessa classificação infame, a taxa é de 64%. Reino Unido e Austrália são os que se saem melhor, com 15% e 16%, respectivamente.
No lançamento da campanha "Chega de Tortura", a Anistia Internacional afirmou, em relação aos países das Américas, que a impunidade é um dos principais estímulos à recorrência dos abusos.
Avanços legislativos nas áreas de prevenção e punição, ademais, não foram acompanhados de investigações efetivas. São poucos os casos em que torturadores terminam no banco dos réus.
O diagnóstico, a rigor, não traz nenhuma novidade, e nisso talvez resida a maior razão de espanto: se sabem o que deveriam fazer, é por descaso que os governos não agem.
No caso brasileiro, apenas em agosto do ano passado criou-se o sistema federal de combate e prevenção à tortura, um compromisso assumido com a ONU em 2007. Até aqui, contudo, os órgãos previstos pela lei não funcionam.
Embora fosse recomendável a implementação de mecanismos preventivos no plano regional, apenas sete Estados avançaram na regulamentação do tema.
Se o discurso dos direitos humanos não tem bastado para sensibilizar governantes, que observem, sobretudo em ano de eleições, outro dado fornecido pela Anistia Internacional: no Brasil, 83% das pessoas "querem leis enérgicas que as protejam da tortura".