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Hélio Schwartsman
Greve nuclear
SÃO PAULO - É verdade que greves incomodam e causam prejuízos. É só por isso, aliás, que existem. Se não trouxessem ônus para ninguém, seriam totalmente inúteis.
O problema é que, por mais irritantes e perigosas que sejam as paralisações, não há meio legítimo de impedi-las numa democracia. Se o sujeito decide que não vai trabalhar naquele dia, simplesmente não há como obrigá-lo a ir, pelo menos não sem restaurar dispositivos jurídicos do tempo da escravidão. E, se ele decide combinar com seus colegas para fazerem o mesmo, não há como impedi-lo sem revogar a liberdade de expressão em seu nível mais básico.
Isso vale para todas as categorias, inclusive militares e serviços apontados como essenciais. Alguns Estados americanos tentaram proibir esses setores de cruzar os braços e o resultado foi uma nova modalidade de greve chamada de "sickout", na qual os funcionários telefonam informando que faltarão naquele dia por motivo de doença. A vantagem é que, nesse formato, não fazem piquetes que, estes sim, originam abusos que devem ser reprimidos pela polícia (se ela estiver trabalhando, é claro).
Meu palpite é que nosso modelo jurídico para lidar com as greves, que tenta reduzir seu impacto sem cogitar de proibi-las, é um pouco a busca pela quadratura do círculo. Alguém já viu serem respeitadas as determinações dos tribunais para que x% dos serviços sejam mantidos?
Parece-me mais lógico deixar inteiramente aos trabalhadores a oportunidade de decidir se, quando e como entram em greve. A contrapartida é que patrões devem ter meios de defender-se, como o direito de descontar dias parados e contratar substitutos. Se tornarmos as greves tão custosas quanto possível para ambos os lados, nós as transformaríamos no análogo trabalhista das bombas nucleares, que são utilizadas apenas como último recurso. A vida do cidadão seria provavelmente mais tranquila, e sem suprimir liberdades.