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Marina Silva

De mães para filhos

Às vezes temos impressão de que o Brasil está em transe, para lembrar o genial Glauber Rocha. No mínimo, podemos dizer que o contrato social é fortemente questionado. O noticiário mostra uma situação de tensão e conflito nas cidades, um verdadeiro caos na vida da população, especialmente da parcela mais pobre e necessitada dos serviços públicos.

Há um sentimento, cultivado por muitos anos, formador das situações mais conflitivas que vivemos hoje: uma mistura de revolta e tristeza com a corrupção e decepção com a representação política, que tantas vezes prometeu combatê-la.

O mau exemplo, vindo de cima, torna-se o sinal para uma explosão nos momentos em que a vigilância falha. Saques, depredações, linchamentos, a violência coletiva parece esperar uma breve oportunidade para ocorrer com intensidade e espalhar-se com rapidez.

Como recuperar o senso? Como preparar as condições para uma cultura de paz? Como democratizar a democracia, num novo ambiente de diálogo?

Tenho convicção de que a sustentabilidade ética é possível, porque urgente e necessária. De todas que vivemos, a crise de valores é central porque condiciona nossas escolhas. A quem recorrer, se todos estamos contaminados pela negatividade, se perdemos a potência de nossos atos políticos nos jogos de imagem e fingimento, se não confiamos em indivíduos ou coletivos, se a justiça --que não pode ser feita por nossas mãos-- também não está nas instituições?

Mas nesta semana alguém respondeu às nossas perguntas. As mães de Abreu e Lima, saudadas na emocionante crônica de Xico Sá (bit.ly/xicosa19), iniciaram um movimento que comoveu Pernambuco e o Brasil: foram à delegacia devolver produtos que seus filhos haviam retirado das lojas durante a greve da polícia, na desordem que tomou as ruas.

"Filho meu não põe a mão no alheio", a frase que ganhou os microfones da mídia, é um puxão de orelhas em todos, sobretudo nos que têm nas mãos --nada bobas-- algum poder sobre recursos e serviços públicos tantas vezes fraudados.

Lembrou-me o filme "A fogueira das vaidades". Um juiz, interpretado pelo brilhante Morgan Freeman, profere uma sentença severa no caso que mobilizava interesses e revelava oportunismos de pessoas conhecidas em Nova York. Encerrava com um conselho, "sejam decentes", e a explicação: "decência é aquilo que suas avós lhes ensinaram".

Lembro minha avó, todas as avós e mães que conheci na floresta e nos bairros pobres da cidade. Severas, honestas, amorosas e firmes.

Temos, afinal, uma fonte de dignidade em que podemos renovar os valores. Há uma base para a sustentabilidade ética. Como direito e dever, ela há de abrir caminho em meio ao caos, há de revelar-se e vencer.


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