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Hélio Schwartsman
Loteria da vida
SÃO PAULO - O governo do Estado de São Paulo anda barrando a contratação de obesos mórbidos que passaram em concurso para professor da rede pública. Na última edição, 0,33% dos aprovados nos testes intelectuais foram vetados no exame físico por apresentar IMC maior do que 40 kg/m2. A questão é de fato complicada.
Ainda que cruel, não é absurda a preocupação do Estado em zelar pelo que chama de "continuidade no serviço público". Não é muito sábio contratar alguém que sabemos que tende a faltar com frequência maior do que a média. Mais, uma morte precoce de professor concursado resulta em pensões por períodos mais longos, que representam despesas extras para o contribuinte.
Apesar de essa ser uma posição racional, tenho cá minhas dúvidas. Moléstias que diminuem a expectativa de vida e a capacidade para o trabalho raramente são uma escolha do paciente. Ainda que muitos afirmem que o sujeito é gordo porque come demais, as pesquisas mais recentes na área apontam para um quadro muito mais complexo, para o qual concorrem fatores genéticos e até o tipo de bactéria que coloniza seu trato intestinal.
Se o setor público não for uma opção para portadores de obesidade mórbida, Aids, diabetes severos e tantas outras doenças que geram complicações com alguma frequência, restarão poucos lugares para essas pessoas trabalharem. No mínimo, o veto é incongruente com a política de criar cotas para deficientes, que vem ganhando espaço nos últimos anos com aplausos de todos.
Parece-me mais lógico e republicano, portanto, que, exceto em funções muito específicas como a de bombeiro ou paraquedista, concursos e seleções públicos deixem de exigir aptidões físicas. Quando contratamos um professor, afinal, estamos interessados em sua capacidade de ensinar. O resto a gente põe na conta da loteria da vida.