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Vinicius Mota
Um épico francês
SÃO PAULO - O conservador moderado Alexis de Tocqueville foi enviado da França aos Estados Unidos em 1831 para pesquisar o regime penitenciário da jovem república. Fez bem mais. Legou-nos "Da Democracia na América", estudo quase etnográfico das virtudes e dos riscos daquele experimento de soberania popular.
O economista francês Thomas Piketty, progressista moderado, também teve passagem marcante pelos EUA. Como professor do reputado MIT nos anos 1990, frustrou-se com o apego dogmático dos colegas americanos à matemática e com o desprezo deles pela historiografia.
Voltou para a França e se tornou um renovador da História Econômica. Trata de reforçar a evidência estatística do passado das nações e de mobilizar potentes recursos tecnológicos nesse esforço.
Tudo desaguou no volumoso "O Capital no Século 21", há pouco vertido para o inglês. As tendências apuradas por Piketty mostram piora na distribuição da renda e da riqueza a partir da década de 1980 em cerca de 20 países avaliados.
Uma fanfarra militante, encabeçada pelo Nobel americano Paul Krugman, apressou-se em comemorar o livro como um divisor de águas no pensamento econômico e um "épico". Mas a obra de Piketty cedo encontrou questionamento sério.
Em paciente trabalho jornalístico, Chris Gilles, do "Financial Times", demonstrou haver erros e incoerências em dados que embasam a conclusão de Piketty sobre desigualdade patrimonial em nações ricas. A resposta inicial do francês foi generosa, mas nada esclareceu. Esperemos.
A crítica não coloca todos os principais achados de Piketty em suspenso. Mas ajuda a alertar para o perigo do julgamento apressado e para o massacre que uma opinião pública embebida em paixões pode provocar no debate intelectual e na busca da verdade. Faz-nos lembrar das lições do épico de Tocqueville.