Folha de S.Paulo

Ruy Castro

É "black bloc", bebê

RIO DE JANEIRO - Parece cena de filme de Woody Allen. O temível "black bloc", com o figurino de máscara, roupa preta e botas, e armado de sólidos argumentos --pedras--, vai para a rua protestar contra a Copa e contra tudo que há de errado no Brasil. Do outro lado, a polícia, como sempre preparando-se para passar o rodo em transeuntes inocentes e inofensivos --como ele. O pau come. De repente, o "black bloc" ouve uma voz que não lhe é estranha.

É seu pai, que o reconheceu na multidão, apesar de todo o seu contundente aparato anarquista. O homem arranca-lhe a camisa preta que lhe serve de máscara, pega-o pelo gasganete e tenta tirá-lo da confusão, enquanto lhe passa o competente sabão paterno: "Eu e sua mãe trabalhamos para te sustentar. Quando você trabalhar e tiver o seu dinheiro, você vai ter direito. Se quiser protestar, vá estudar". E, então, para as câmeras e microfones que registram a cena, surge um garoto que ainda deve espremer espinhas, investido da generosidade sôfrega e desastrada dos jovens de todos os tempos.

A cena é comovente pela perplexidade do pai, talvez se perguntando onde foi que errou na criação do menino, e surpreendente por sua atitude --uma rara demonstração de autoridade familiar em nossos tempos tão permissivos. Uma autoridade racional e amorosa, sem dúvida --pode-se vê-lo tentando argumentar com o filho, enquanto este fala alto e ao mesmo tempo, despeja os clichês e exige a reforma imediata da educação, da saúde e dos costumes do país.

Cá entre nós, concordo com o garoto. A diferença é que, ao contrário dele, que tem 16 anos, não faço ideia de como resolver os problemas. Se já não tivesse passado da idade de chutar vitrines e incendiar orelhões, talvez também saísse à rua mascarado e ululando slogans.

Aí, sim, seria, definitivamente, uma cena de Woody Allen.