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Janira Rocha

Carona e estado de exceção

Manifestantes como Sininho foram eleitos os grandes inimigos públicos do Estado simplesmente por causa de suas atuações políticas

O Estado democrático de Direito comporta minha ação política quando três cidadãos que se sentiam perseguidos foram na segunda-feira (21) buscar asilo político no Consulado do Uruguai no Rio de Janeiro. Fui até lá ao ser acionada por assessores que acompanham movimentos sociais, dado o caráter do mandato que exerço na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

Acompanhei as negociações com advogados da OAB do Rio e, em razão da negativa do governo uruguaio de conceder asilo aos três, no mais puro espírito republicano, saí pela porta da frente do prédio sem disfarces, sem ser interpelada por nenhuma força policial e os conduzi no carro oficial até onde pudessem contatar auxílio.

Expliquei a eles que, se fosse dada voz de prisão, o máximo que eu poderia fazer era acompanhá-los até a delegacia para garantir a integridade física deles.

Para minha surpresa, fui denunciada à Polícia Civil, à presidência da Alerj e ao Tribunal de Justiça do Rio pelo ato de solidariedade. Além disso, um batalhão de "ativistas virtuais conservadores" e a mídia corporativa criminalizaram minha ação. Em que contexto está aberta a nova temporada de caça às bruxas (e às Sininhos)?

Prisões arbitrárias tornaram-se "modus operandi" no Brasil após as mobilizações de junho de 2013. A militarização dos espaços públicos, políticos e culturais é uma tendência no mundo, assim como a criminalização de quem luta. No Rio, essa ação intensifica-se nas favelas com as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) que representam o controle social para assegurar os megaeventos --incluindo a retirada brutal do povo pobre de suas casas e aniquilação dos seus direitos.

É crescente o uso da mídia para justificar tal criminalização com escutas ilegais, apresentação de supostas evidências de delitos e a defesa de mandados de prisão questionáveis, baseados em premissas falsas e em flagrantes espetacularizados em horário nobre. Isso é perseguição política em pleno século 21, feita por supostos defensores do Estado democrático de Direito.

A mídia corporativista desempenha papel crucial na aceitação desse estado de exceção. Ela estimula o conservadorismo, oculta repressão e os abusos do Estado policial.

Apesar de as novas tecnologias terem possibilitado as mídias alternativas e o ativismo nas redes a favor das causas populares, nunca o Estado policial esteve tão empenhado para o controle da informação e do pensamento.

Em 2011, o movimento SOS Bombeiros deu uma grande lição, com apoio massivo das ruas, contra o autoritarismo do governo Sérgio Cabral. As lideranças dos bombeiros militares sofreram com prisões arbitrárias, escutas telefônicas e torturas psicológicas. Vimos a covarde invasão feita pelo Bope ao QG onde bombeiros e suas mulheres e filhos foram alvos de bombas e balas de fuzil. O que fez a mídia? Esmerou-se em criminalizá-los.

Na Bahia, o soldado Marco Prisco, que liderou a histórica greve da Polícia Militar em 2012, é penalizado até hoje pela sua conduta em defesa dos direitos dos trabalhadores da segurança pública. Mesmo eleito como vereador, foi responsabilizado por supostamente dirigir uma organização criminosa nacional.

Enquanto Prisco esteve detido no presídio da Papuda, sofreu um ataque cardíaco e, mesmo agora, respondendo processo em liberdade, está impedido por ordem da Justiça de sair de Salvador e de realizar sua campanha a deputado estadual.

Sininho, Daciolo e Prisco foram eleitos os grandes inimigos públicos do Estado simplesmente por suas atuações políticas.

A luta não é do bem contra o mal, não é da sociedade indefesa versus vândalos e baderneiros. A luta não é de trabalhadores honestos versus deputada de esquerda que dá carona a quem pede asilo em consulado. A criminalização é contra aqueles que lutam por condições de trabalho, de educação, de saúde, de transporte e de habitação digna.

A lógica burguesa não comporta causas contra a sua ordem e muito menos que uma deputada dê apoio a ativistas, a bombeiros e a policiais. Será que é difícil entender por que nossa juventude reivindica participação direta e representativa em oposição às instituições ditas democráticas? Então, de quem é a culpa? É da carona?


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