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Fora do tom
Debate sobre independência do Banco Central adquire destaque desproporcional; modelo brasileiro funciona bem, mas pode melhorar
Não fosse a constante interferência do Planalto nas decisões do Banco Central durante o mandato de Dilma Rousseff (PT), com impactos nefastos para a credibilidade da instituição, dificilmente discussões sobre sua independência teriam adquirido tamanho destaque na campanha presidencial.
Importa ressaltar, de início, que a propaganda do PT comete dois pecados na abordagem do tema. Primeiro, mente ao afirmar que um BC autônomo estaria entregue à sanha dos banqueiros. Depois, e mais grave do ponto de vista do país, reforça a impressão de que o órgão, sob Dilma, submete-se aos caprichos da presidente.
Configurou-se, assim, uma armadilha que os publicitários petistas não conseguiram antever. Insistindo nessa tecla para alvejar Marina Silva (PSB), a própria Dilma amplifica as simpatias por aquilo que sua adversária propõe.
É preciso, contudo, qualificar o debate. O conceito de independência do Banco Central não é exato e admite diversas gradações.
A experiência internacional mostra que são dois os campos em que se semeia a autonomia. Um deles diz respeito à definição do objetivo a ser perseguido (como a meta de inflação), enquanto o outro se refere à escolha dos meios para atingir aquele fim.
No Brasil, a meta de inflação é fixada pelo Conselho Monetário Nacional, composto por dois ministros (Fazenda e Planejamento) e pelo presidente do BC. Sendo todos indicados pelo chefe do Estado, este influi na definição do objetivo. Não há controvérsia de que se trata de bom arranjo para o país.
Por outro lado, o BC precisa ter liberdade para gerir a política monetária, determinando a taxa de juros e as condições de crédito. Pressões políticas, nessa seara, prejudicam a tomada de decisões técnicas --mas estas não podem, por sua vez, isentar de responsabilidade o presidente eleito pelo povo.
Eis onde está o debate. Com o BC encabrestado por Dilma, reaparece a sugestão de regras mais estritas para, por exemplo, demissões na cúpula do órgão. Nada impede que se avance nessa linha, mas o mandato fixo, em si, não garante que haverá autonomia na prática --e pode até criar um problema, a depender de quem estiver no cargo.
Melhor do que discutir a independência da instituição com os clichês dos publicitários é considerar normas capazes de minimizar o espaço para mandos e desmandos. O Brasil, quanto a isso, não faz má figura. Basta lembrar que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o BC de financiar o Tesouro.
Sem dúvida é possível evoluir. Incrementar mecanismos de prestação de contas e adotar medidas como a publicação dos votos de cada diretor na reunião que define os juros trariam ganhos para o país --o tom da campanha, quanto a isso, só traz prejuízos.