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Luiz Fernando Vianna
Caymmi e o beco
RIO DE JANEIRO - O CD produzido por Dori Caymmi e Mario Adnet para marcar o centenário de Dorival Caymmi tem alguns momentos frustrantes, mas Chico Buarque cantando "Marina" e Nana Caymmi em "A Lenda do Abaeté" já valem o projeto.
Sempre vale ouvir a obra do baiano. Ela se basta pela sua beleza, tão escandalosa quanto misteriosa. Mas também encarna a utopia de um Brasil orgulhoso de ser mestiço; transformador do arcaico em moderno sem renegar seu passado; trabalhador sem ser produtivista.
Um Brasil que não aconteceu.
Como, parafraseando José Simão, somos o país da metáfora pronta, o Rio de Janeiro resolveu homenagear esse artista tão cheio de significados --e que morou na cidade durante 70 anos-- com um beco sem saída.
Foi ideia do então prefeito Cesar Maia, em 2008. Muita gente adoraria ter como endereço a rua Dorival Caymmi. Mas é impossível. Ninguém mora na rua Dorival Caymmi.
A viela não tem portarias, apenas laterais de edifícios cujas frentes dão para a avenida Visconde de Albuquerque, no Leblon. De um extremo a outro, da caçamba de lixo da esquina ao muro final, são cerca de 50 passos apenas. É bom para deixar carros estacionados por vários dias ou para passear com cachorros.
Pode-se pensar nos mares vastos das canções de Caymmi, mas, como no poema de Bandeira, o que se vê é o beco. Perto do oceano, em Copacabana, fica a estátua do compositor, também ideia de Cesar Maia. É mais bem intencionada do que bem resolvida.
Dói ver o nome de Caymmi associado a um beco sombrio. Mas pior a prefeitura fez com Luís Carlos Prestes: a avenida com o nome do líder comunista fica numa área cheia de shopping centers na Barra da Tijuca, o nosso simulacro de Miami. É continuação da avenida João Cabral de Melo Neto.
É perigoso ser homenageado no Rio.