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Igor Gielow

Miopia e estrabismo

BRASÍLIA - Num desses insanos dias que antecedem o Natal, eu tomei a decisão temerária de ir ao cinema de um shopping. Queria descobrir se "As aventuras de Pi", de Ang Lee, é tão bom quanto parece.

À frente na fila homérica, duas jovens marcadas pelo uso abusivo de maquiagem, estampas animais e óculos com cristais -suponho que da Swarovski, sucesso entre as abastadas nativas. Elas discutiam ir a um restaurante à beira do lago Paranoá.

"O duro é que precisamos passar perto do Varjão", queixou-se uma. "Pare de ser preconceituosa, lá só é perigoso porque são pobres, coitados", rebateu a outra. Varjão é uma área carente conhecida pela criminalidade, margeada pela via que leva ao tal restaurante.

Lendo ontem os dados da pesquisa Datafolha sobre valores do brasileiro, o diálogo me voltou à cabeça.

Um dos mais incrustados mitos da esquerda local é o de que a pobreza é geradora exclusiva da violência. Boa parte de nossa elite estudou numa academia majoritariamente esquerdista, o que ajuda a explicar um número do levantamento.

Segundo o Datafolha, 56% dos que ganham mais do que dez salários mínimos acreditam no mito (no caso, "falta de oportunidades iguais").

Já os mais pobres da amostra (renda de até dois mínimos mensais) rejeitam a autocomiseração social: entre eles, 60% preferem culpar a "maldade". Ainda que o conceito seja gelatinoso, fica claro para onde aponta a percepção desse segmento social.

Errei ao não checar antes e não pude ver "Pi": a sessão era em 3D. Estrábicos como eu não formam uma só imagem no cérebro, e somos assim imunes a essa tecnologia, nem mesmo se aqueles óculos ridículos vierem adornados com os mesmos Swarovski do modelo que a rainha Elizabeth 2ª usou na véspera do Natal.

Meu estrabismo foi mitigado na faca e com longa terapia, mas não tem cura definitiva. Assim como, temo, a miopia das moças da fila.


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