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Ruy Castro

Corpo estranho

RIO DE JANEIRO - Há 60 anos, um conjunto recém-surgido nos EUA começou a mudar as relações entre o jazz e o público: o Modern Jazz Quartet. Numa época em que o swing e o bebop ainda competiam sobre quem tocava mais rápido ou mais alto, o MJQ propunha um jazz de câmara, classudo, que só requeria atenção. Aliás, movido a piano, vibrafone, contrabaixo e bateria, ele tinha de ser assim.

John Lewis, seu pianista e líder, exigia respeito à música e ao público. Os quatro se apresentavam quase hieráticos, de terno ou smoking, sem caretas, contorcionismos ou conversa fiada. Só a música importava. Se a plateia estivesse falando alto, o MJQ tocaria ainda mais baixo, até ela se mancar. Se isso não acontecesse, eles terminariam o número e apenas deixariam o palco, sem brigas ou chororôs.

Bem, o MJQ venceu. Milhares, no mundo inteiro, aprenderam a escutá-los e a fazer psiu uns para os outros. Seu vibrafonista Milt Jackson era genial sem levantar uma sobrancelha ou emitir um único decibel fora da lei. Com o MJQ, o jazz foi sussurrar nas salas de concerto sem deixar de ser jazz.

Mas isso é anterior ao verdadeiro Big Bang -o da tecnologia. De 1980 para cá, o silêncio no mundo acabou. Não importa se em ambiente fechado ou ao ar livre, a amplificação do som chegou a volumes inenarráveis. E, nesse item, nada supera os trios elétricos. Numa recente passeata no centro do Rio, em defesa dos royalties do petróleo, havia três deles tocando ao mesmo tempo na avenida Rio Branco. Um trio engolia o outro, e cada qual tornava a vida intolerável por quarteirões. A única comunicação entre as pessoas era por mímica. Muitas foram embora antes do comício -para não enlouquecer.

Trios elétricos são um corpo estranho no Rio. Mas existem. E não adianta calafetar as janelas, os ouvidos e a alma. Eles penetram do mesmo jeito.


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